Venda de espa?o na TV e nosso direito a um conteúdo de qualidade
Venda de espaço na TV e nosso direito a um conteúdo de qualidade
Vender tempo de programação não é uma prática recente: quem não se lembra das longas e famosas propagandas das facas Ginsu 2000? O problema é que tal prática está se tornando cada vez mais freqüente e que o tempo de veiculação comercializado é cada vez maior. Este ano, por exemplo, a CNT vendeu 22 horas de sua programação diária para a Igreja Universal, comprometendo mais de 80% de seu tempo de transmissão e causando uma demissão de funcionários em massa.
Claro que nossa discussão não quer problematizar questões religiosas, mas sim a qualidade da programação das nossas emissoras abertas e o nosso direito (garantido pela Constituição Federal) a uma programação televisiva que promova a cultura nacional e regional e que atenda a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, entre outros aspectos. Vale lembrar que as emissoras abertas existem graças a concessões públicas de nosso Estado (que, diga-se de passagem, é um Estado laico!). Estas concessões, por serem públicas, pertencem à nossa sociedade, que em troca deveria ter acesso a uma televisão plural, baseada nos princípios ou finalidades que acabo de citar. Vendendo parte de seu espaço, as emissoras conseguem alcançar o almejado lucro, mas a pluralidade cultural, que deveria caracterizar a nossa TV, fica evidentemente comprometida.
Embora a CNT seja um canal de menor expressividade, a venda de parte de seu espaço ao menos serviu para levantar este importante debate. Em audiência promovida recentemente na Câmara pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP), o Ministério Público Federal comprometeu-se a investigar esta prática de arrendamento de horário na televisão. Na ocasião, o deputado e empresário Júlio Campos (Democratas- Mato Grosso) já apresentou resistência à investigação, argumentando que o arrendamento não seria ilegal e que seria a única forma de sobrevivência de algumas emissoras. Vale lembrar que este mesmo deputado foi responsável por arrendar espaço da TV Brasil Oeste, hoje afiliada da CNT no Mato Grosso, para a Igreja Mundial do Poder de Deus.
Mesmo que as denúncias e investigações pareçam tardias e que ainda não se saiba ao certo qual serão seus resultados, este debate já cumpriu um importante papel: de mostrar o quanto é falha a regulamentação das concessões de rádio e televisão em nosso país, que o caminho mais fácil para algumas empresas enfrentarem suas dificuldades financeiras é o arrendamento de seu espaço e, por fim, o quanto poderá ser difícil enfrentar os interesses de fortes grupos religiosos e empresariais que encontram respaldo político no Legislativo.
Ana Paula Ladeira é Jornalista pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisa assuntos relacionados especialmente à TV.