Irm?os Dardenne criam um belo filme em O Garoto da Bicicleta

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 Paulo César 3/12/2011

Irmãos Dardenne criam um belo filme, à la Truffaut, em O Garoto da Bicicleta

 

Com uma história simples, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne traçam um perfil psicológico de uma criança que sofre com o abandono do pai e tem que recomeçar a vida ao lado de uma tutora em O Garoto da Bicicleta. Se não contasse com uma brilhante direção dos belgas, o longa poderia até arrancar bocejos, porém a cada plano-sequência, conduzidos com primazia, ao estilo dos mestres da Nouvelle Vague, é possível perceber o nascimento de um grande filme.

A trama começa com o pequeno Cyril (Thomas Doret) em um colégio interno, desesperado em busca de informações de seu pai e de sua bicicleta. Em uma de suas fugas da instituição, ele encontra Samantha (Cécile de France), que, ouvindo a estória do menino, decide recuperar seu brinquedo e também ser sua tutora aos finais de semana. Entretanto, para que seu desejo em ajudá-lo se firme, ela terá de enfrentar alguns problemas pelo caminho.

Os irmãos diretores criam uma obra sentimental sobre relações humanas, muito bem ao estilo que os fizeram conhecidos no cenário europeu. Engendram uma reconstrução da vida de uma criança rejeitada pelo pai e, primeiramente, usam a bicicleta para representar sua carência, pois ela é a única ligação paternal de Cyril. A forma crua com que o amor que sente é, aos poucos, destruído não chega a ser cruel, mas confere certa dose de melancolia à trama.

Quem pôde acompanhar filmes da época de ouro da Nouvelle Vague pode até identificar certos aspectos de seu cinema. Não à toa, O Garoto da Bicicleta carrega referências perceptíveis de produções do movimento, principalmente Os Incompreendidos, de François Truffaut. Para ser mais claro, o plano-sequência onde Cyril dispara em sua bicicleta por vários metros pode ser comparado, em plástica e contexto, à brilhante passagem do filme de Truffaut, em que o menino corre por vários minutos até chegar à praia.

O fato de o longa ter ganhado a Palma de Ouro no Festival de Cannes deve-se à construção da epopéia angustiante que cria no público um julgamento inevitável ao comportamento do menino. Ao mesmo tempo em que nos força a entender e se colocar em seu lugar. A quase ausência de sonoridade é quebrada apenas para demarcar os momentos de mudança de ato na condução dos diretores. Isso fez com que o filme não ficasse em segundo plano no festival, mesmo com a toda a badalação de A Árvore da Vida, de Terence Mallick, e O Artista, de Michel Hazanavicius.

A estrela em ascensão, Cécile de France, mostra todos os atributos que chamaram a atenção de Clint Eastwood e a levaram a atuar em Além da Vida (2010). A intensidade de sua interação com o menino, tanto nos momentos de crise, quanto nos de alegria, fizeram seu conceito só aumentar. Já o jovem Thomas Doret não se intimidou e provou que não foi à toa que se sobressaiu perante vários garotos no processo de escolha para o papel de Cyril. Sua expressividade e postura são invejáveis, ainda mais para uma criança de 11 anos.

Mesmo depois de quase tudo resolvido, os Dardennes ainda guardaram a grande lição de seu filme. O aprendizado final do garoto guardou o momento de maior brilhantismo, deixando o subjetivismo, mais características de Truffaut, Godard e cia., fazerem de seu final o melhor dos últimos rodados em 2011. O único pesar é que os diretores são desconhecidos do público brasileiro, o que pode provocar certa rejeição, porém, quem apostar na história de um menino com sua bicicleta, não vai se decepcionar.

 


Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.