Um futuro mais que presente em "Ela"
Um futuro mais que presente em "Ela"
Um filme recentíssimo, "Ela", toca em ambas as temáticas de maneira inteligentíssima. Num futuro não datado, um homem, escritor de cartas virtuais, recém-separado, solitário, compra um sistema operacional que em pouco tempo se torna adquirido por muitas pessoas. Este sistema é capaz de ser "alguém" perfeito para quem o tem. Com isso, se torna a companhia ideal e desejada por todos. É um filme relativamente lento, mas com um final excelente.
Dois pontos relevantíssimos são abordados pelo filme. Um, é a exigência de perfeição que as pessoas têm para com o outro. O segundo, a enorme relevância dada por elas à virtualidade. Quando alguém se apaixona por alguém, vive-se como se aquela pessoa fosse perfeita. Como se tudo o que viesse dela fosse o que se espera de alguém para se conviver. Só que, após o momento da paixão, a sensação da perfeição nesse alguém passará, e os defeitos começarão a serem notados. E aí fica o questionamento: serão, realmente, defeitos? É necessário que o outro seja exatamente como queremos que seja? É possível minorar os conflitos mesmo sabendo que nunca haverá concordância total? Por que exigir perfeição, se estamos lidando com pessoas?
O outro ponto, mais facilmente perceptível no filme, é o espaço gigantesco dado à virtualidade na vida daquelas pessoas (nada tão diferente assim do mundo nos dias de hoje). E, com isso, outro questionamento se pode fazer: o que aconteceria, hoje, se os espaços virtuais fossem, de uma só vez, cancelados? O que haveria de reações? É possível pensar num mundo sem relações virtuais?
Com muitas possibilidades de questionamentos trazidas pelo longa, "Ela" é um típico filme de roteiro. Sem atuações ou manobras de direção grandiosas, ou que chamem à atenção de maneira a levar alguém a se boquiabrir, seu roteiro é maravilhoso, inteligentíssimo. Joaquim Phoenix, como sempre, está muito bem, foi um papel que é a "cara" dele. Sua indicação ao Oscar de ator foi justíssima. Amy Adams está com o carisma de sempre. É agradabilíssimo assisti-la em qualquer de seus trabalhos. A direção é muito boa, muito no ponto.
O que pode haver de "ruim" (e uso essa palavra com cuidado, porque não vejo a característica como defeito, mas como um possível fato a desestimular algumas pessoas) é que trata-se de um longa de ritmo muito lento. Não há no filme grandes emoções, apesar de os momentos finais serem, realmente, muito bons. Prefiro pensar que essa lentidão é proposital, para contrastar com a velocidade da atualidade, na qual temos dificuldades para "parar" e fazer algo que nos exija mais vagar e atenção ao que não é intenso.
"Ela" é uma produção de muita qualidade. Quem busca qualidade, terá. Eu busco.
Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.