O Banquete
O Banquete
Será que a presa da planta carnívora teria a oportunidade de, um dia, reverter a situação e devorar sua algoz? Será que é possível verificar, ali, uma relação vilão/vítima? Por que? Será que o problema realmente é a planta? Ou a natureza? Pode-se chamar a planta de vilã se é de sua natureza fazer o que faz? Se ela não é um ser racional?
Mas e se, ao invés de uma planta, o ser que devora fosse um ser humano? Se sendo apto a destruir, com o mais alto grau de crueldade, uma presa, o que falaria mais forte? Ser civilizado, ou sua vontade de ver a vítima caída? O que tem que acontecer para que uma pessoa chegue ao seu estado mais natural? O que é o estado mais natural de cada um?
Tendo uma clara inspiração em “O Banquete”, do filósofo grego Platão, o filme conta a história da celebração do aniversário de 10 anos de casamento de Mauro e Bia (Rodrigo Bolzan e Mariana Lima), realizado em um jantar na casa de Plínio e Nora (Caco Ciocler e Drica Moraes). No entanto, o clima do local não está para celebrações. Mauro e Nora têm altos cargos em um jornal de grande circulação no país. Uma carta escrita por ele, com várias acusações contra o então presidente da república, Fernando Collor, é publicada. Isso pode acarretar em sua prisão. Os convidados chegam. Com a revelação das graves consequências que a advir, o sentimento de tensão se instaura e vai num enorme crescente. Com isso, seus sentimentos mais profundos, e seus lados mais obscuros vão sendo, pouco a pouco, expostos. A animalidade vai ganhando força sobre a civilidade. Vão se tornando devoradores uns dos outros.
Eu fico feliz de ainda não ter assistido “O Grande circo místico”. Assim, não passo, mais uma vez, pela raiva de terem indicado um filme péssimo para o Brasil tentar a disputa pelo Oscar. Eu digo isso porque “O Banquete” não é desses trabalhos que se vê todo dia. Ele é grandioso. É grandioso mesmo! Isso sem precisar sair da sala de jantar. É praticamente o único cenário do filme. É um filme muitíssimo intenso. Com diálogos muito bem estruturados para as pessoas colocarem e tirarem suas máscaras na medida muito certa.
“Meu amigo mau com ‘u"
“Minha amiga má com ‘a"
O filme é extremamente coeso, todas as entradas de personagem são corretas, equânimes, com focos “desfocados” colocados de maneira exatamente igual para todos eles. O trabalho de atuação é fabuloso.
Os tempos entre as falas, as pausas muito ajeitadas, certas, com duração perfeita para cada momento. Muito bem dirigidas. Merece destaque o trabalho das atrizes principais do filme, Drica Moraes e Mariana Lima. Gostei muito de Rodrigo Bolzan também. Senti vontade de conhecê-lo melhor. E, apesar de eu ter achado o personagem do Caco Ciocler o mais agradável e interessante de todos, houve alguns momentos de exagero do tipo “sou bom”. Pecou, mas no geral ele foi muito bem. Não posso deixar de apontar que uma festa tem que ter um bolo né! Por isso valeu muito a presença do Chay Suede... mas só por isso mesmo. A direção de câmeras foi muito correta nos abalos emocionais dos personagens. Os diretores as conduziram em movimentos e posicionamentos muito interessantes e até inovadores.
Eu usei muito a palavra “correta” neste texto. Não foi à toa. É um termo muito adequado para “O Banquete”. Ele está impecável! O roteiro do filme é fantástico. Cresce de maneira bonita, fluente, elegante. Alimenta as cenas, deixa-as robustas, dá ao caminhar do filme a chance dele chegar ao seu final de forma a nos dar vontade de aplaudir.
Mas, assim como na filosofia, chamo à reflexão.
Como aplaudir se não é convencional aplaudir quando se está no cinema? Como aplaudir, se estamos assistindo vítimas e vilões se devorando? Se alimentando do sofrimento? O que falará mais alto em nós? O que é mais agradável ali: o filme em si, ou ver “o banquete”?