Entrevista com o fot?grafo Humberto Nicoline
Entrevista com o fotógrafo Humberto Nicoline
Humberto Nicoline: No curso de Comunicação Social da UFJF, onde me formei em 1981. Neste curso não havia a disciplina de fotojornalismo (era um departamento da Faculdade de Direito e ocupava apenas um corredor), mas tirava fotos com uma câmera amadora Olympus Trip do meu pai e cheguei a publicar algumas fotos nos jornais-laboratório do curso e também numa coletiva que teve na cidade no final dos anos 1970.
Descobri que o fotojornalismo seria meu caminho profissional trabalhando já de carteira assinada na função de repórter fotográfico. Com apenas um mês de formado fui trabalhar no recém-inaugurado jornal "Tribuna de Minas", para compor a equipe de redação, que estava precisando de fotógrafos. Entrei nos quadros da redação como fotógrafo, porque as vagas para repórteres de texto já estavam todas preenchidas.
Queria, trabalhando diariamente com a redação, "pular" um dia para a função de repórter de texto, que era o que o curso de comunicação nos preparava melhor. O que aconteceu foi que acabei gostando de produzir as fotos para as reportagens. O fato de me deslocar para vários lugares da cidade diariamente para registrar as pautas e no final do dia olhar o meu trabalho final em forma de cópias fotográficas era muito gratificante. Tomei conhecimento cedo da importância da memória visual de uma cidade em seus vários aspectos. Sabia desde o início da profissão que era uma forma muito peculiar de registro histórico. A realidade registrada se tornou para mim fascinante.
Com pouco mais de três meses de trabalho diário, descobri que era o fotojornalismo mesmo o meu ofício e "aprendi a pilotar um avião com ele no ar". Comprei equipamento melhor (uma Nikon F3) através de um primo que morava em Manaus. A fotografia se tornou paixão e então me tornei o primeiro jornalista formado na cidade a exercer a função de repórter fotográfico.
Em 1983 fui eleito vice presidente do "Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Juiz de Fora". Durante nossa gestão conseguimos duas vitórias importantes para os repórteres fotográficos da cidade, que muito me orgulham: a creditação obrigatória nas fotos publicadas e o pagamento de aluguel de equipamento fotográfico (25% do salário) para as empresas que não forneciam câmeras, objetivas e flashes para seus fotógrafos. Acho que na Tribuna ainda funciona assim até hoje. A atividade sindical nesta época era pauleira, em pleno regime militar até 1985 e com uma inflação chegando na casa de 300% ao ano ( governo Sarney) no final de 1986. Nossa categoria chegou a fazer passeata no Calçadão da Halfeld, onde lutávamos por reajustes salariais (semestral, trimestral e gatilho), piso salarial, estabilidade e melhores condições de trabalho.
Daniela Aragão: Como foi o seu trabalho inicial no jornal "Tribuna de Minas"?
Humberto Nicoline: Naquela época trabalhar como fotógrafo de jornal não era como hoje, pois estávamos em uma ditadura militar. A "Tribuna de Minas" tinha apenas uma semana de existência e num sábado do dia 8 de setembro de 1981 sucedeu um acontecimento inesquecível.
O famoso grupo de teatro "Tá na Rua", do Rio de Janeiro, dirigido por Amir Haddad (que era o maior diretor de teatro de rua do Brasil) foi censurado e proibido de realizar sua apresentação em Juiz de Fora. O fato se deu ao meio dia no Calçadão da Rua Halfeld, mais precisamente na porta do Cine Theatro Central, onde Amir Haddad decidiu levar sua trupe para informar a população de que estavam impedidos de se apresentar.
Eu estava acompanhando tudo e fotografando. De repente, o Amir pega um megafone daqueles antigos de cone metálico para começar a anunciar o motivo do impedimento da apresentação. Nisso um tenente "P2" da PM, à paisana, tirou na marra o megafone do Amir Haddad. Fiz de imediato o registro. Sabendo que tinha feito um flagrante de uma repressão, entrei na galeria do Teatro Central já com dois "agentes" do meu tamanho atrás de mim.
Consegui correr e subir uma daquelas escadas que existe ao lado do Central e me esconder. Tirei então o filme com as fotos que havia acabado de registrar, escondi e substitui-o por um filme virgem e desci. Logo em seguida três caras me pegaram, me colocaram dentro de um Opala preto com a placa do Rio, que estava estacionado na Rua São João e começaram a rodar comigo fazendo tortura psicológica. Dirigiram lá para os lados da cidade alta, que na época era somente mato, e ficavam com ameaças "- Vai ser aqui, vai ser aqui"... Daí parou um carro do outro lado e me pediu o filme, tirei da máquina e entreguei (o filme virgem). Fiquei duas horas incomunicável e soube depois que o pessoal da Tribuna paralisou a redação em solidariedade até que tivessem alguma notícia minha.
Me levaram então para a sala da PM, que ficava dentro da delegacia de Santa Terezinha e o tenente que havia tirado o megafone do Amir Haddad começou a reclamar, bem nervoso, que o filme que entreguei era virgem e me exigia o filme verdadeiro. Me obrigaram a tirar a roupa inteira e o filme acabou caindo na frente deles. Eles pegaram o filme e as fotos nunca foram publicadas, mas os colegas da redação publicaram matéria do meu "desaparecimento" com foto minha na delegacia. Uns três dias depois o tenente ligou para um diretor da Tribuna e disse que tinha ficado "muito bem nas fotos". Essa foi a primeira experiência que tive com a repressão da ditadura, confesso que fiquei apavorado, pois pensei que eles iriam me prender e torturar. Curioso que voltei a encontrar este mesmo oficial dez anos depois em BH, numa coletiva no Quartel do Batalhão de Choque da Polícia Militar, onde era Coronel e Comandante. Ao me ver se aproximou, colocando sua mão em meu ombro, e disse: "Sem ressentimentos Nicoline?"E a vida segue...
Daniela Aragão: Quem compôs a primeira equipe do "Tribuna de Minas"?
Humberto Nicoline: A primeira equipe de fotografia era composta por Márcio Assis, Douglas Fedóceo, Narcisse Szymanowski, Oswaldo Calzavara e Beto Carrera, que me ajudaram muito neste início de carreira me ensinando a parte laboratorial e de arquivamento da fotografia. Depois vieram Márcio Brigatto, Valéria Frossard, Márcia Zoet e outros. Na redação trabalhei com os jornalistas Eloísio Furtado de Mendonça, Grace Valentim, Renato Henrique Dias, Beth Barra, José Carlos de Lery Guimarães (que foi meu professor), Geraldo Muanis, Carlos Alberto Pavam, Ronaldo Dutra Pereira, Mário Helênio de Lery Santos, José Renato Pereira, César Romero, Marilda Ladeira, Kaká Guilhermino, Jorge Sanglard, Virgínia Guilhon Loures, Oseir Cassola, Walter Sebastião, José Santos, Henrique Leal, Carlos Neto, Getúlio Vargas Machado, Neusinha Pereira, Rosângela Vianna, Márcio Guerra, Leopoldo Siqueira, José Bello, Jurema Gervason, Mazé Mendonça, Luiz Fernando Ruffato, Kátia Dias, João Medeiros, Marcos La Falce, Maria Aparecida Barral, Liana Menezes, Izaura Rocha e Míriam Travassos .
Daniela Aragão: Super memória (risos). Você cobria todas as partes? Política, cultura, esportes?
Humberto Nicoline: Em jornais de porte pequeno e médio não há condição de setorizar fotógrafo. Cobríamos de tudo, esportes, cidade, política, cultura, publicidade e social. A cobertura diversificada proporciona maior bagagem profissional não somente para o fotógrafo, como também para o repórter de texto, principalmente para aqueles que estão no início da carreira jornalística.
Daniela Aragão: Você passou um considerável período trabalhando no setor de esportes não é?
Humberto Nicoline: Fiquei setorizado na editoria de esportes do "Hoje em Dia" por um bom tempo. Além de fazer a cobertura diária de treinos e jogos do Cruzeiro, Atlético e América em BH, viajava com as equipes da "raposa" e do "galo" para jogos dentro do Brasil nos campeonatos brasileiros. Também viajei para o exterior na cobertura da "Copa Commebol" e da "Taça Libertadores da América", quando conheci Argentina, Chile e Bolívia.
Nesta editoria tive o prazer de cobrir dois grandes prêmios de Fórmula1 em Interlagos-SP e uma corrida da Indy-300 em Jacarepaguá-RJ. Você não consegue ficar por muito tempo nesta editoria, pois cobrir o futebol de três clubes é pauleira.
Era muito desgastante acompanhar treinos diários e principalmente as viagens, tinha que me manter concentrado para enviar para a redação as fotos antes do horário de fechamento da edição. Tiveram coberturas fora do Brasil em que eu fazia uma viagem pegando dois aviões, para somente registrar os quinze primeiros minutos do jogo. Todo um trabalho para que fosse possível a transmissão em tempo hábil das fotos, pois o fuso horário do país estava "contra" o deadline da redação.
Ao mesmo tempo, cobrir esportes proporcionava algumas vantagens que as outras editorias não ofereciam. Vantagem número um: as viagens nacionais e internacionais. Vantagem número dois: o equipamento fotográfico mais caro e avançado do jornal ficava com quem cobria esportes. Eu trabalhava com uma espetacular objetiva Canon 400mm 2.8 e com uma câmera EOS que fazia 6 quadros por segundo e rebobinava automaticamente o filme quando chegava ao fim. O terceiro motivo vantajoso se dava devido ao fato de que quando você não emplacava a primeira página, no mínimo tinha sua foto na capa do caderno de esportes.
Daniela Aragão: Conheci seu trabalho através do livro "JF anos 80" e o que me chama muito a atenção é a sua sensibilidade artística muito aguçada. O seu olhar único sobre minúcias da vida, do cotidiano. Um passarinho, um anônimo na rua. Por meio agora de seu relato penso que essa sua vivência ampla e cosmopolita lhe possibilitou justamente o apuro desse olhar.
Humberto Nicoline: Ah sim, eu não sabia que possuía esse olhar para poder separar os pedaços do mundo. Aprendi a fotografar no trabalho diário. Eu fotografava, e se quisesse, em uma hora já estava com as cópias na mão. Então eu tinha um feedbak rápido para a época. Isso me possibilitou uma aprendizagem muito rápida. Aprendi fotografia no pau mesmo, errando e graças a Deus aprendendo com ajuda dos colegas fotógrafos. Sempre fui alucinado por fotografia, eu era um louco, um obsessivo, um obstinado.
Andava com o equipamento o tempo todo para todos os lugares. Isso também me proporcionou obter fotos que não eram para os jornais, mas para mim, meu acervo pessoal. Muitas fotos do meu livro "JF Anos 80" e também da minha exposição "Olhares Imersos" foram captadas assim, porque simplesmente estava munido de máquina e não perdi a oportunidade do registro.
Daniela Aragão: Fotos com a marca autoral, com sua assinatura de fato.
Humberto Nicoline: Exatamente. Eu guardava fotos com carga jornalística e também as tais fotos diferenciadas. Essa compulsão de guardar, se me explico bem, é o seguinte, se estou agora conversando com você não me fixo absolutamente nos seus olhos, mas estou captando com extrema curiosidade tudo o que está ao meu redor agora. O fotógrafo possui um olhar diferenciado, ele enxerga coisas que as outras pessoas não percebem porque, além de seu talento, está munido de equipamento e pode fazer um registro a qualquer momento. Viajar comigo de carro é meio chato, porque paro toda hora para fotografar.
Daniela Aragão: Me sensibiliza profundamente o seu olhar sensível revelado nas fotos. Quais são os fotógrafos que mais te impressionam?
Humberto Nicoline: Não tinha nenhum fotógrafo com o qual me espelhasse no início de carreira, mas sempre gostei da fotografia impressa. No início da década de 1970 (quando nem pensava em ser repórter e muito menos fotojornalista) era estudante e recebia gratuitamente em minha casa exemplares da revista "Time", de língua inglesa. Costumava recortar as fotos que eram de página inteira e colá-las em forma de mosaico na parede que ficava em frente à minha cama do meu quarto de dormir. Permaneci com este painel de fotos diante de meus olhos por muito tempo, antes de dormir e ao acordar ficava apreciando aquelas fotos de guerras, esportes, moda, manifestações, acidentes, etc. Tenho certeza de que isso me ajudou muito a seguir adiante na profissão, pois na hora de clicar já tinha memória para a escolha das objetivas e dos enquadramentos mais adequados.
Daniela Aragão: Você afirma que a experiência lhe possibilitou o aprimoramento de seu "olhar artístico", você foi se lapidando. Então hoje você se considera um fotógrafo de caráter mais autoral?
Humberto Nicoline: Sim. Atualmente mais autoral do que jornalístico. A exposição "Olhares Imersos" é prova disso.
Daniela Aragão: O seu livro "JF Anos 80" me tocou tanto que acabei escrevendo uma crônica inspirada nele um tempo depois. Me chama a atenção sobretudo os flagrantes inusitados. A convivência do anônimo com o célebre. Cenas surpreendentes, como os músicos Márcio Hallack e Hermeto Paschoal atravessando a Avenida Rio Branco em local proibido.
Humberto Nicoline: A sua crônica foi a que mais me emocionou na época do lançamento em 2009. Com respeito à foto que citou, que está na página 264, ela se deu da seguinte forma, estava esperando o Hermeto que daria uma coletiva na Capela Galeria de Arte, onde aconteceria seu show à noite. De repente vi aquela coisa pequena, branca, albina, pulando as barreiras da Av. Rio Branco, mas não consegui a princípio reconhecer quem estava ao seu lado. Peguei a máquina e comecei a fotografar e só depois vi que era o Marcinho Hallack.
Daniela Aragão: Há um outro registro singular de Marquinho Kamil com uma espécie de tanguinha à la Gabeira.
Humberto Nicoline: O Marquinho Kamil morava no Bom Pastor e era artista plástico. Em suas nuances loucas ele sentia às vezes que precisava ser fotografado. Ele já tinha me contratado outras vezes para reproduzir suas telas para guardar em cópias. Naquele dia exatamente (do registro reproduzido no livro) ele quis marcar a sessão de fotos na Rua Halfeld. Assim que cheguei vi que ele estava vestido somente com um shortinho, cinto heavy metal, descalço e com um crucifixo no peito. Posou para mim com o braço esquerdo erguido e punho fechado, símbolo, na época, da resistência ao regime militar. Marquinho Kamil incorporava uma mistura de tendências da época, um misto de paz e amor, com punk, agitado, revolucionário, criativo e com muita loucura misturada (risos).
Daniela Aragão: Como se deu a escolha das fotos que integraram a exposição?
Humberto Nicoline: Tenho um arquivo enorme de filmes 35mm digitalizados e a escolha das 80 imagens não foi fácil, dado que inicialmente tínhamos 120 fotos com potencial. Neste caso, o trabalho de curadoria da Nina Mello foi fundamental, escolhendo as fotos de acordo com a disposição delas nas paredes do salão do MAMM e dentro dos quatro temas propostos: pessoas, lugares, crianças e animais. Geralmente numa exposição individual de fotografias temos cerca de 20, 30 ou até, no máximo, 40 imagens. Na minha são 80! Quanto maior o número de trabalhos expostos mais dificuldade na escolha e nas suas respectivas disposições no espaço. Foram várias reuniões, colocávamos as 120 cópias em tamanho 20x30cm nas paredes e até mesmo no chão da Casa Vinteum- Espaço Experimental da Nina, para decidirmos quais entrariam na exposição. Fruto destas reuniões foi a confecção do projeto expográfico em 2D, onde ficou quase tudo decidido. Nina Mello me ajudou muito no desapego de algumas fotos (risos).
Daniela Aragão: Como se deu a opção pelo preto e branco?
Humberto Nicoline: Optei por todas as cópias serem em preto e branco por dois motivos: manter um padrão do acervo exposto e por acreditar que a "mensagem" de uma foto em P&B é mais direta para quem a vê, mesmo que a leitura desta "mensagem" seja diferente para cada um.
Daniela Aragão: Hoje com a entrada em massa das tecnologias digitais a fotografia tornou-se algo onipresente na vida das pessoas. O tempo inteiro as pessoas estão fotografando. Isso pode causar alguma mudança no comportamento?
Humberto Nicoline: O que impulsiona as pessoas a fotografarem incessantemente a si mesmas é a facilidade do registro, conjugado com sua formação de personalidade. Sou muito criterioso com publicações de fotos, pois acho que a fotografia tem que mostrar alguma coisa diferente, tem que ter uma mensagem, uma beleza para quem as contempla. A minha preocupação não é em relação ao comportamento das pessoas e sim se esta quantidade enorme de fotografias que estão sendo tiradas estão sendo devidamente arquivadas.
As pessoas estão arquivando suas imagens em lugares muito frágeis para armazenamento como pen-drives, cds, dvds, cartões de memória, computadores e até mesmo em sites e bancos de armazenamento de dados e imagens que alugamos via internet. Atualmente se fotografa muito e se guarda pouco. O que pode ocorrer é um colapso na memória visual da população a longo prazo. Aconselho as pessoas que façam um esforço e que passem o que consideram mais importante para cópias fotográficas como garantia de arquivo. Quando se passa fotos digitalizadas para cópias fazemos automaticamente uma seleção delas. Numa caixa protegida da luz e umidade, as cópias devem durar, no mínimo, uma geração inteira. Além do mais, no meu entender, é muito mais emocionante contemplar fotografias em cópias em nossas mãos do que visualizá-las em monitor, não é?
Daniela Aragão: No seu universo de fotos produzidas você conseguiria destacar as três melhores de toda a sua trajetória?
Humberto Nicoline: A primeira foto que me deu muita alegria foi a do menino vestido de militar na parada militar de 7 de setembro de 1982 na Av. Getúlio Vargas, que está também publicada na página 41 do meu livro. Adoro o seu enquadramento, o menino vestido igual a um militar, o veículo blindado com o oficial do Exército em pé, as rodas do carro. Ganhei com ela uma menção honrosa no concurso internacional Nikon Photo Contest , de 2001.
A segunda é a que abre minha exposição no MAMM, uma estátua de São Pedro apontando para uma solitária mulher na praça que leva seu nome no Vaticano. A terceira foto, que também está em "Olhares Imersos", é de um grupo de meninas vestidas de anjo correndo numa rua de pedra em Ouro Preto, cidade onde em 2001 estava fazendo a cobertura da Procissão da Ressurreição. Esta foto tem uma historinha que gostaria de compartilhar.
Eu pedi a autorização das mães para fotografar com todas as meninas vestidas de branco. Consegui um flagrante fantástico, algumas parecem que estão realmente no ar. As roupas delas não eram totalmente brancas, revelavam umas nuances de azul claro. Daí me explicaram que esse azulado que aparecia advinha do aniz, que as mães colocavam para tirar o amarelado dos vestidos que eram antigos e guardados para outras gerações de meninas da família utilizarem.
Então toda a história foi me sensibilizando. Trabalhava na ocasião no "Hoje em Dia de BH", que era pertencente a evangélica Igreja Universal do Reino de Deus, que proibiu a publicação da foto dos anjos por fazer apologia à Igreja Católica. No ano seguinte inscrevi esta foto no maior concurso internacional de fotojornalismo do mundo, o World Press (com sede na Holanda) e consegui uma menção honrosa. Sabendo da premiação, o "meu jornal", publica a foto dos anjos (que tinha sido vetada um ano antes) em destaque e como matéria no primeiro caderno com o título: "Fotógrafo do Hoje em Dia ganha prêmio internacional". E a vida que segue...
Daniela Aragão : Quais são seus próximos planos....
Humberto Nicoline: Estou concluindo um ensaio fotográfico. A exposição que fiz no MAMM é toda composta de arquivos analógicos e, possivelmente, a próxima será toda de captação digital, tipo street photograph, que é a minha praia. Sempre haverá o interesse pelo flagrante, o inusitado do cotidiano, isso jamais se perderá, apesar de todas as transformações pelas quais temos visto passar a fotografia. A fotografia cumpre muito bem esse papel de nos trazer sempre o elemento surpreendente, o inusitado.
Daniela Aragão: O que é a fotografia para você?
Humberto Nicoline: É a ética do ver.
Daniela Aragão é Doutora em Literatura Brasileira pela Puc-Rio e cantora. Desenvolve pesquisas sobre cantores e compositores da música popular brasileira, com artigos publicados em jornais como Suplemento Minas de Belo Horizonte e AcheiUSA. Gravou, em 2005, o CD Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso.