Entrevista com o produtor art?stico Alexandre Raine

Por

Entrevista com o produtor art?stico Alexandre Raine
Daniela Aragão 13/04/2015

Entrevista com o produtor artístico Alexandre Raine

Daniela Aragão: Como se deu a sua relação inicial com a música?

Alexandre Raine: A primeira imagem em minha cabeça que vem da música se dá quando eu era criança e devia ter em torno de uns cinco, seis anos de idade no máximo. Eu morava em Natal, pois meu pai era da aviação de Caça da Aeronaútica e foi servir na base de lá. Minha mãe, Zalem Raine, naquele tempo era locutora de rádio, com o nome de Zalem Maria e apresentava programas de auditório. Fazia rádio teatro e de vez em quando me levava para ver os artistas cantando. Aquilo me produzia um encantamento inigualável.

Aqueles cantores famosos da Rádio Nacional como Cauby Peixoto e Ângela Maria corriam o país todo e de vez em quando passavam por lá. Era o tempo que costumamos chamar de “Época de Ouro do Rádio”, na qual todo Brasil ouvia a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, famosa por seu elenco de primeira linha.

A primeira vez que a música realmente me impactou eu tinha então por volta de cinco anos e morava dentro da Base Aérea, aonde os oficiais da Aeronáutica tinham direito de morar com as suas famílias.

Rolavam umas festas num clube que se situava dentro da base. No caminho de uma destas festas passou um trio nordestino com acordeon, zabumba e triângulo. Era um trio que possivelmente iria se apresentar no clube. Meus pais os chamaram para perto e fiquei curioso diante daqueles instrumentos e eles tocaram “Pisa na Fulô”, um clássico do cancioneiro brasileiro. Esta é a primeira imagem que trago de um despertar da curiosidade pela música.

Anos depois outro fato me marcou muito, quando já tínhamos retornado para o Rio de Janeiro e estávamos morando em Marechal Hermes. Na casa de minha Bisavó Romualda, um sobrado onde toda a família morou, havia uma tia-avó que se aventurava como cantora lírica e pianista.

Era a tia Asmir. Nós crianças achávamos engraçado aquele cantar num tom empostado as árias das óperas. A família da parte de meu pai veio toda de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Foram vindo aos poucos. Primeiro chegou essa minha tia Asmir, que veio a se casar com meu tio Emídio, pernambucano oficial da marinha que saiu do Recife para servir à pátria na fronteira do Brasil com o Paraguai. Naquele tempo ainda havia muito a solicitação para que os oficiais servissem em Mato Grosso em decorrência da recém-finda guerra do Paraguai, mais ou menos década de vinte. Então ele conheceu essa minha tia, se apaixonaram, casaram e vieram morar no Rio, em Marechal Hermes.

Eles eram muito festeiros, e todos tinham uma influência grande das Guarânias, das músicas daquela região do pantanal em Corumbá, aonde a harpa fazia a festa. Essas festas pareciam um show, a primeira coisa que acontecia era essa minha tia tocando piano e cantando trechos de ópera.

No segundo momento da festa ela colocava frevos na vitrola e o casal de filhos dela dançavam frevo na sala para mostrar como era o frevo pra toda família ali reunida.

Depois que acabavam esses números musicais da família, aí começava propriamente a festa com discos, na sua maioria de guarânia e rasqueados. Meu pai dançava como um índio, batia perna, aquilo também ficou muito marcado em mim. Essas duas referências são muito fortes na infância de um despertar meu para a sensibilidade através da música.

Em seguida, após passarmos um tempo em São Paulo, nos mudamos definitivamente para o Rio lá pelos idos de 59,60. Lá em casa escutava-se muito a rádio Mayrink Veiga, se não me falha a memória o programa mais ouvido por nós era o “Peça Bis ao Muniz”. Nele tocavam cerca de vinte a trinta músicas inicialmente e numa segunda parte mostrava-se as dez músicas daquela seleta escolhida pelos ouvintes que ligavam para a produção.

Eu escutava o programa todo e assim começaram a entrar na minha cabeça tanto as musicas de apelo mais comercial, como todas as outras. Tinha Adilson Ramos, um cantor de Campo Grande famoso na época. Escutava-se Orlando Dias, Emilinha, Marlene, Cauby e Nelson Gonçalves. Os compositores Jair Amorim e Evaldo Gouveia eram famosos por grandes sucessos na voz de Angela Maria. Lembro perfeitamente também de outro grande cantor popularíssimo da época, o Altemar Dutra, que cantava, samba-canção, boleros , marchas e outros gêneros. Nesse tempo da rádio eu tinha por volta de uns nove, dez anos e ouvia essa diversidade de cantores.

Nessa época eu achava o carnaval o máximo como acho até hoje. Adorava quando meus pais me levavam para as matinês que aconteciam no Clube dos Sargentos, em Cascadura. Saíamos de Marechal Hermes e íamos para Cascadura no “Clube dos Sub-Oficiais e Sargentos da Aeronáutica”.

O carnaval naquele tempo acontecia da seguinte forma, quando chegava novembro todas as marchinhas já começavam a ser executadas nas rádios. As músicas que pegavam mais no gosto popular eram as que faziam mais sucesso. Marchinhas de João Roberto Kelly que Emilinha cantava, música com Jorge Goulart, com Jorge Veiga. Nesse tempo a rádio tinha uma força colossal de comunicação . Quando chegava o carnaval eu já sabia todas as marchinhas. Todas as músicas que iam tocar no carnaval.

Eu era um menino de subúrbio, num momento um pouco mais tarde já morando no Méier, pré-adolescente, me recordo de que começou o período dos grandes festivais da Record. Tinha o “Festival Internacional da Canção” e eu era muito ligado naquilo, adorava e seguia pela TV todos os anos os grandes Festivais da Record. O canal 7, de São Paulo, aonde fervilhava e explodia a música popular brasileira, um tempo ,intenso,criativo e diverso.

Nesse período outro lance que me impactou muito foi o “Dois na Bossa”, tanto é que o primeiro disco que comprei foi ele. Comprei por impulso, pois até então escutava as canções que meus pais colocavam na vitrola. Eles punham aquelas grandes orquestras, Ray Conniff e outros, me lembro de que papai comprou um disco bem dor de cotovelo em que Jamelão cantava só Lupicínio Rodrigues.

Em pouco tempo eu já sabia aquelas letras e melodias finas do Lupi de cor e salteado. A praia deles era Elizeth Cardoso, Izaurinha Garcia, Nora Ney, Carlos José .Os boleros também passeavam muito por meus ouvidos neste tempo, lembro-me de que aprendi direitinho a cantar “Sabor a Mi” na voz da Eydie Gorme

Daniela Aragão: João Gilberto não apareceu entre tantas audições?

Alexandre Raine: Nesse tempo não, João só fui conhecer depois, pois ele não frequentava os Festivais. A televisão trazia a força com o “Dois na Bossa”, que era formado por Elis Regina e Jair Rodrigues acompanhados pelo Zimbo Trio. Eles chamavam muita gente.

Esse disco ficou todo arranhado de tanto que ouvi, aquele medley “O morro não tem vez...”, agora tenho a noção de que esse famoso pot-pourri fazia a conexão justamente com os sambistas que estavam despontando nos anos sessenta. Juntavam a geração do Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Carlos Cachaça com os que estavam chegando, que eram Elton Medeiros, Paulinho da Viola e Zé Kéti. Recordo-me também de que em 64, teve o primeiro samba-enredo que me chamou a atenção, aquele famoso de Silas de Oliveira do Império Serrano, a “Aquarela Brasileira”.

Foi fortíssimo pra mim também quando descobri Nana Caymmi naquele festival cantando “Saveiros”. A interpretação dela me atraiu muito, era muito visceral para passar despercebido o seu canto.

Caetano trazia frescor, considerável dose de inusitado e quebra de paradigmas. Ele era depositário de toda essa tradição da música popular brasileira e já estava fazendo uma coisa diferente, as palavras que o Caetano colocava nos seus versos eu não via em lugar nenhum: “O sol nas bancas de revista”e praticamente toda letra de “Alegria, Alegria”.

Quando ouvi Milton Nascimento cantar “Travessia” no Festival da canção também fiquei chapado. Achei a música e a voz de Milton absolutamente fantásticos e aprendi a música de cara.Trago lembranças indeléveis desses momentos únicos.

Daniela Aragão: E como aparece propriamente o samba para você?

Por volta de 1969, eu já com meus 18 anos estava morando em Botafogo. Carlos Imperial e outros portelenses levaram o ensaio da Portela para a Zona Sul tentando arrecadar mais grana para o desfile. Todo sábado tinha ensaio no Mourisco, na praia de Botafogo com a presença de uma fração da bateria da Portela.

Num certo dia eles anunciaram um samba de um jovem compositor da Portela, que era o Paulinho da Viola. Paulinho cantou “Foi um rio que passou em minha vida” na quadra e depois de algumas vezes todos já cantavam aquele refrão que passava na nossa frente tal como um rio de emoções e sentimentos Aquela carga poética que só Paulinho da Viola sabe como fazer acontecer.

Daniela Aragão: Foi daí que se deu o seu primeiro contato com Paulinho da Viola?

Alexandre Raine: Ainda não. Entrei na faculdade em 72, nessa época eu ainda estava terminando o científico no Pedro II . Entrei para a Faculdade de Comunicação da UFRJ , contrariando um pouco o desejo de minha mãe de que eu me tornasse médico. Fui então ser comunicador, queria me comunicar (risos). Nesse momento acontecia o aparecimento da Tropicália e Paulinho da Viola na Portela. Tudo isso me fez ficar ainda mais apaixonado por música.

Daniela Aragão: Onde você foi estudar?

Alexandre Raine: Na Escola de Comunicação da UFRJ, em 72 ainda era na Praça da República. Me lembro de que quando chegamos lá, no auge da ditadura, as paredes todas escritas “Queremos Escobar, libertem Escobar”. Escobar era o Carlos Henrique Escobar, um cara fundamental nesse tempo, um intelectual maravilhoso e ativo nessa luta contra a ditadura e foi preso um cem número de vezes. Depois desse período a Comunicação foi para o prédio da Praia Vermelha.

Eu tinha loucura pelo “Projeto Seis e Meia”, que acontecia no palco do João Caetano, na Praça Tiradentes, centro do Rio. Albino Pinheiro e Hermínio Bello de Carvalho, esses dois caras tornaram-se grandes influências para mim.

Hermínio me contou que quando esteve na França com Albino eles repararam que aconteciam shows nesse horário de seis e meia e que os teatros ficavam cheios. As pessoas assistiam aos shows e davam esse tempo para pegarem o trânsito mais tranquilo após o trabalho.

Um dia eles tomando um chope no bar Luiz, na Rua da Carioca, resolveram implementar essa ideia aqui no Rio e fizeram o “Seis e Meia”. Ele é a célula que deu no Projeto Pixinguinha, que Hermínio produziu quando estava na FUNARTE. O Projeto Pixinguinha tornou-se um dos maiores projetos da Musica Popular Brasileira, pois levava a preços irrisórios a boa produção musical brasileira a todos os rincões deste país.

Daniela Aragão: Como acontecia o projeto?

Alexandre Raine: Eram temporadas. Ele começava no meio da semana e acho que ficava até sexta feira, uns três, quatro dias. No início as temporadas eram maiores, depois tornaram-se mais curtas. Depois o Albino conseguiu o patrocínio da Petrobrás, era o ”Lubrax Seis e Meia”. Existe uma edição de comemoração dos 30 anos do Projeto editada pela FUNARTE em 2007, ano em que infelizmente o projeto novamente parou após sua retomada em 2004.

Daniela Aragão: Eles transmitiam na televisão?

Alexandre Raine: O Seis e Meia não passava na televisão, mas num programa que tinha na TVE, o Água Viva, Hermínio mostrava todos aqueles artistas que representavam este segmento da cultura popular brasileira mais autêntica .

Daniela Aragão: Você passou um bom tempo sendo espectador até se ligar efetivamente no trabalho?

Alexandre Raine: Pois é, nesse tempo eu já estava morando sozinho e trabalhava como jornalista fazendo algo totalmente diferente. Fazia coordenação de produção de uma redação de história em quadrinhos. Era um outro mundo, o universo de edição, de jornalismo. Então eu ajudava o Otacílio, o popular OTA, meu queridíssimo editor na Editora Vecchia.

Ele era responsável pela redação das histórias em quadrinhos, o Ota é um humorista e quadrinista do primeiro time e defende esta bandeira até hoje, mesmo ela tendo-se tornado agora uma profissão de alto risco por gente extremamente mal humorada.

Editávamos o material estrangeiro, mas objetivando com o tempo fazer argumentos nacionais com desenhos brasileiros para a revista ter uma edição nacional e dar emprego aos grandes criadores que haviam de HQ. Gente como Flávio Colin, Júlio Shimamoto e outros mais. Esses caras eram feras do traço, colossos que o Brasil não conhecia. Então o Otacílio teve esse mérito, trabalhei com ele durante dois anos na redação.

Nesse tempo eu morava em Santa Tereza que era uma espécie de“Meca da contracultura”, dos udigrudi e bichos grilo da vida, como falávamos na época. Era todo mundo morando em Santa Tereza, o pessoal da “Nuvem Cigana”, os malucos criativos todos moravam lá e eu não poderia ficar fora disso (risos).

Era incrível, pois eu trabalhava com carteira assinada e o que ganhava dava para viver e ainda sobrava. Só nesse tempo, pois logo depois viria uma crise braba no início dos 80. Me lembro das festas que aconteciam em Santa Tereza, Paulo Moura aparecia.

Invariavelmente eu ia as apresentações do “Seis e Meia”. Um dos shows apresentados lá que muito me marcou foi o encontro entre Nara Leão e Dominguinhos. A Nara tinha uma cabeça muito aberta e antenada.

Daniela Aragão: Este show deve ter acontecido por volta da época em que ela lançou aquele belo disco “Os meus amigos são um barato”, com vários convidados como Tom Jobim, Roberto Menescal, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Gilberto Gil e João Donato.

Alexandre Raine: Sim, com certeza. Eu ficava fascinado por esses espetáculos que aconteciam no “Seis e Meia”. No entanto eu ainda continuava trabalhando na revista.

Depois de um tempo, muito influenciado por aquela música do Zé Rodrix “Eu quero uma casa no campo”, também fui em busca de minha casa no campo e da paz. Tínhamos o sonho de abandonar o sistema e a vida de consumo, queríamos viver uma outra vida. Era o início de uma busca pela vida alternativa.

Anos 60, influência do movimento hippie. Naquele tempo tinham duas opções, uma delas consistia em você se engajar e entrar numa organização clandestina, ficar militando contra a ditadura com aquele rigor (um amigo até me convidou para isso). Eu já possuía uma consciência crítica e quando aconteceu a Primavera em Praga, a minha Glasnost foi ali, a minha Perestroika, a ficha caiu logo.

Pensei cá com meus botões, não quero isso pra mim nem para o povo brasileiro, não quero a ditadura militar, mas também não quero uma ditadura totalitária tenha ela a ideologia que tiver. Queria a volta do estado de direito, das liberdades democráticas e das garantias individuais, brigava pela volta da cidadania plena.

É interessante o fato de que mesmo numa intensa repressão essa geração dos anos sessenta que floresceu com a Bossa Nova e depois com tudo o que aconteceu na cultura brasileira, conseguiu continuar criando nesse clima. Numa linguagem mais metafórica.

Daniela Aragão: É a linguagem da fresta, como o sociólogo Gilberto Vasconcellos definiu bem em seu livro “De olho na fresta”. As portas não estavam abertas, ou melhor, estavam quase totalmente trancadas. Os artistas criavam nos recônditos, nas frestas que conseguiam encontrar num clima de intensa repressão. Daí os condinomes como o Julinho de Adelaide criado por Chico Buarque.

Alexandre Raine: Certamente havia toda uma linguagem cifrada para poder passar sem a intervenção da censura. Funcionava por um tempo até ser descoberta, como foi o caso de Julinho de Adelaide.

Daniela Aragão: Como se deu sua entrada mais efetiva no universo da música?

Alexandre Raine: Quando um tempo depois disso fui ter a experiência de “uma casa no campo”. Junto com meu amigo publicitário resolvemos alugar um sítio em Vassouras, perto de Barra do Piraí. Abrimos um negócio que foi o “Pantagruel queijos e vinhos”. Nesse tempo incentivávamos outras manifestações artísticas, não era somente o bar e a música.

Recordo-me do rapaz que frequentava o nosso bar e que depois ficou muito famoso criando a logomarca do Rock in Rio, o Cid Castro, que hoje é um grande publicitário em Portugal. Esse bar durou uns dois anos e depois em 81 voltei para o Rio numa situação de crise econômica. Comecei então a fazer assessoria de imprensa e divulgação de eventos. Com uma amiga da época começamos a percorrer os nightclubs que existiam em grande quantidade nos anos oitenta.

Fomos em 82 numa casa noturna na Voluntários da Pátria chamada “Gente da Noite”, tinham duas meninas que tomavam conta do negócio, mas sem jogo de cintura. Então resolvemos fazer um show em homenagem a Vinícius de Moraes com Lygia Diniz, irmã de Leila. Deu super certo, foi um sucesso.

Então começamos a cuidar da programação musical da casa. Elaboramos um programa musical de quarta a sábado e cada noite privilegiávamos um gênero de música e tal. Um lance importante que fizemos lá foi o lançamento de um sambista de Botafogo chamado Marinho da Chuva. Ele era amigo do pessoal dos foleões de Botafogo. Ali tinha compositores de samba como Walter Alfaiate, Zorba Devagar e Mauro Duarte, o bolacha.

Fui fazer a divulgação do compacto do Marinho da Chuva e consegui um monte de coisa, fizemos chamada, roteiro. O show seria numa quarta feira e a mulher dele organizou uma feijoada no domingo anterior na casa deles em Botafogo. Esse dia me marcou muito, pois foi a primeira vez que conheci dois grandes sambistas de carne e osso: Décio Carvalho e Nelson Sargento.

Tenho verdadeira adoração por Décio Carvalho, que nos deixou em novembro do ano passado. O outro grandioso presente na feijoada era o Nelson Sargento. Tinha também Paulão sete cordas. Aquilo para mim foi um acontecimento. Délcio Carvalho autor de “Sonho meu”, “Acreditar”. Nelson com aquela idade, acho que por volta dos sessenta anos, só tinha conseguido fazer um disco. “Agoniza mas não morre” é um hino do samba.

Daniela Aragão: Vieram depois os trabalhos com Miúcha, Nana Caymmi, Paulinho da Viola e Henrique Cazes. Fale um pouco sobre isso.

Alexandre Raine: Uma amiga estava trabalhando coma a Miúcha, o Braguinha ganhou um prêmio Shell na música brasileira daquele ano em 1985. O show seria no Teatro Municipal. Essa amiga então me convidou para trabalhar na produção com direção de Ricardo Cravo Albim. Foi a partir desse momento que segui definitivamente com a produção musical.

Me lembro do show de Miúcha com Braguinha “Yes, nós temos Braguinha” . Tinham músicos como Bolão, Henrique Cazes, Beto Cazes, era uma maravilha.

Mais adiante fizemos cartas de patrocínio consultando as listas amarelas do catálogo telefônico de São Paulo para executarmos os shows que idealizávamos para o “People”, que era uma casa mais tradicional para a música instrumental a princípio. Ali conheci Milton Banana, Luizinho Eça, Luiz Carlos Vinhas e aqueles músicos fantásticos do samba jazz que se formaram no Beco das garrafas. Conseguimos apoio do Banco Nacional e negociamos com Paulinho da Viola para abrir o projeto.

Fui até a casa de Paulinho, ele topou, Lila também. Esse show virou o must e a imprensa toda comprou. A ideia era trazer um grande nome num lugar pequeno e que jamais teria um show de alguém daquele porte ali. Paulinho ficou um mês fazendo show de quarta a sábado. Um sucesso absoluto.

Como segunda atração fizemos Carlinhos Lyra, foi um barato! Como terceira atração Moraes Moreira. Na quarta chamamos Nana Caymmi, ela topou e eu quase caí de emoção. Nana tinha aquele folclore de difícil e não foi nada disso, nos divertíamos muito. Ela ficou quase um mês, foi de arrasar quarteirão.

Paulinho depois nos chamou para trabalhar com ele num show que estava agendado para o Ceará. Esse show ficou muito marcado pois sua mulher, a Lila estava grávida de seu último filho que nasceu nessa época.

Depois fizemos Família Caymmi. Pela primeira vez viajei para o exterior com Dorival Caymmi e ele depois queria ficar por dez dias em Paris. Assim fomos todos para Paris.

Daniela Aragão: Você trabalha mais efetivamente na produção de shows. Gostaria de saber se trabalha também com os artistas acompanhando as gravações em estudio, os projetos de discos e tal.

Alexandre Raine: A primeira vez que entrei num estúdio foi a convite do Mauro Duarte e da Cristina Buarque, eles estavam fazendo um disco incrível. Fui convidado para assistir a gravação, não para produzir. A primeira vez que fiz um trabalho como assistente de produção foi no disco “Eu canto samba”, de Paulinho da Viola. Tempos depois acabei entrando no estúdio para ser o produtor executivo de Bebadosamba.

Vi tudo aquilo ali nascer, a letra do Timoneiro que Hermínio Bello de Carvalho fez e deu para o Paulinho. Paulinho ao fazer esse disco começou a ser insensado por todo mundo. Esse disco sedimentou o Paulinho da Viola no cenário da música popular brasileira colocando-o no patamar do grandes, mais que merecidamente.

Após toda a confusão que tinha ocorrido em função da divergência de seu cachê em relação ao dos demais músicos na apresentação do Reveillon no Rio, todos queriam abraçar e saudar o grande Paulinho da Viola e ele lotou o Canecão durante três semanas. Esse foi um dos momentos mais lindos da minha vida como produtor artístico.