Entrevista com o multi-instrumentista Chadas Ustuntas

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Entrevista com o multi-instrumentista Chadas Ustuntas
Daniela Aragão 20/04/2015

Entrevista com o multi-instrumentista Chadas Ustuntas

Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida?

Chadas Ustuntas: Foi desde quando eu era muito pequeno, quando era bebê talvez. Venho de uma família de músicos e de artistas de teatro. Desde muito cedo me interessei pela música, assim como a pintura. Comecei a pintar bem novo, minha mãe guarda até hoje registros meus de pintura de quando eu tinha dois anos de idade. Tenho uma relação muito forte com a arte desde que nasci.

Com cinco anos ganhei uma sanfoninha, um garmon que é um instrumento russo. Aos dez comecei a estudar música, sou turco nascido na Costa do Mar Negro, minha vida até os treze anos foi lá. Aos dez anos comecei a pegar aulas de música.

Daniela Aragão: Na escola tinham aulas de música?

Chadas Ustuntas: Tinham aulas de flauta doce, mas comecei a estudar por aulas particulares. Da sanfoninha passei para o violão, primeiro com aulas profissionais primeiramente de música popular e depois o professor me encaminhou para a música clássica. Comecei então a tocar violão clássico e praticar os estudos da literatura clássica do violão.

Decorava tudo e me apresentava. Com treze anos ganhei uma bolsa no Ancara conservatório de Bin Cat, estudei mais ou menos cinco anos de viola clássica, viola de arco. Sempre aprendendo piano com harmonia através de professores que vinham da Rússia. Eles eram excelentes e me passaram muito conhecimento. Tive muita sorte de conhecer muita gente boa e bons músicos que me ajudaram em minha trajetória me incentivando.

Daniela Aragão: Desde cedo você já sabia que se tornaria um músico profissional?

Chadas Ustuntas: Com certeza. Desde que ganhei a bolsa de estudos me dediquei intensamente a música. Me dedico vinte quatro horas por dia a música, além de outros estudos que faço de astrologia, cosmologia, história, biologia e física. Tenho um telescópio e vejo estrelas e até converso com elas como os índios. A natureza é muito forte na minha percepção do mundo.

Daniela Aragão: A natureza está muito presente em sua música.

Chadas Ustuntas: Sim, demais. Principalmente a partir do momento, de uns três anos para cá, quando percebi que meu repertório era só clássico, popular e as coisas que eu estava aprendendo naturalmente, música folclórica da Turquia, samba aqui do Brasil, choro.

Daniela Aragão: Quando você aterrissou no Brasil?

Chadas Ustuntas: Cheguei em 2005, portanto completa-se uma década. Estou aprendendo muito nessa terra.

Daniela Aragão: O Brasil foi o primeiro país da América do Sul que você conheceu?

Chadas Ustuntas: Primeiro cheguei na Argentina em 2003, pois fui convidado para um festival de violões. Um violonista fantástico argentino que mora na Turquia chamado Ricardo Moiano tocou comigo. É um músico extraordinário com um amplo repertório de música latina e que se interessou pela música turca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Daniela Aragão: Antes de chegar ao Brasil você já conhecia algo de nossa música?

Chadas Ustuntas: Sim, principalmente Hermeto Paschoal e Tom Jobim. Também a Bossa Nova, quanto ao choro e o samba eram gêneros mais restritos para mim. Não chegava tudo, o que mais se ouvia de música brasileira na Turquia era Tom Jobim. Vim a conhecer a música de Hermeto Paschoal através desse meu amigo argentino, que considera Hermeto um dos maiores músicos do mundo que ficará para a história como Stravinsky.

Daniela Aragão: Você toca instrumentos de sopro como sax e clarineta com muita propriedade. Gostaria de saber qual é o seu instrumento primordial?

Chadas Ustuntas: É o violão. Eu me dediquei muito profundamente ao violão, pois com esse instrumento comecei a me tornar capaz de compor e fazer arranjos. Por ser um instrumento polifônico ele sempre me acompanhou para qualquer lugar, além de ser um instrumento carinhoso. Um instrumento que permite uma capacidade de elaborar arranjos e compor assim como o piano.

Depois do violão tradicional de seis cordas, descobri o violão de dez cordas e depois passei para onze e agora tenho um violão de oito cordas que permite uma extensão maior ainda. O violão de onze cordas é quase um piano, como uma orquestra sinfônica que tem a capacidade de registros, sonoridades e timbres.

Daniela Aragão: Você compõe e faz arranjos?

Chadas Ustuntas: Sim, toco vários instrumentos e também construo instrumentos, embora ainda não tenhaum ateliê apropriado para isso. Utilizo o violão para compor e também o piano. Na minha época de escola convivi muito com o piano, então seria impossível ficar longe deste maravilhoso instrumento. Em todas as salas tinham piano, você teria que ser muito desinteressado para não arriscar em nenhum.

Daniela Aragão: Quais são seus registros em CDs?

Chadas Ustuntas: Gravei em 2011 com o "Quinteto São do Mato" um disco que se chama Leste para oeste, patrocinado pela Lei Murilo Mendes. Neste trabalho dirigi todos os estágios e compus as músicas. Em 2012 gravei o Translação, que começa a definir a minha produção musical que se relaciona com o cosmos, uma perspectiva muito diferente que veio por meio dos meus estudos de astronomia. Percebi que improvisando, utilizando essas linguagens como jazz, rock, choro, eu estaria na música de qualquer lugar do mundo. Me interessei pelos lados desconhecidos da música.

Daniela Aragão: A música em inteiração com o cosmos.

Chadas Ustuntas: Isso aí. E comecei a vivenciar isso há muito tempo, pois como gosto muito de viajar conheço muitas pessoas, músicas e expressões de muitos países. Música está no cosmos, não só na terra, mas nos planetas que giram em torno do sol. Há uma canção ali que está esperando que alguém descubra, estou justamente atrás disso.

Tem músicos excepcionais que já procuraram esse caminho como Vangelis e Jean Michel Jarre. Me interesso tanto por isso que essa busca acabou criando um formato para show, momento em que fico muito à vontade com instrumentos que tenho. Toco flautas, sax, algumas flautas de madeira que construí.

Daniela Aragão: É um show solo?

Chadas Ustuntas: Sim, mas acontecerão alguns convidados especiais que também andam pensando nessa relação ampla da música numa perspectiva de diálogo com a natureza e o cosmos.

Daniela Aragão: Retomando a sua infância, momento em que você também apresentou uma abertura para a questão pictórica fazendo pinturas e tal. Percebo que há uma forte relação com a questão plástica neste seu novo trabalho em que há uma série de projeções de imagens. O cenário é muito plástico, muitas cores e nuances.

Chadas Ustuntas: Sim, toda a plasticidade do cosmos, há uma dinâmica do som com as imagens. Isso permite as pessoas que irão assistir uma nova fruição. Há um apelo meu talvez de despertar nas pessoas outras percepções que podem estar junto com o som, outras iluminações. Isso é uma coisa tão antiga, tanto que se voltarmos na história veremos que se faziam músicas para os deuses, era tudo uma linguagem universal.

Depois com os vários falares, as várias línguas e as segmentações a música também foi se capitalizando. Acho que essa fragmentação não é boa no todo da história.
Pesquiso música antiga e história, nos tempos antigos as pessoas extraíam do cosmos música. Hoje com nossas preocupações agnósticas do dia a dia vamos nos afastando dessa unidade.

Daniela Aragão: Nesses dez anos de Brasil você se considera tocado e influenciado por essa variedade e riqueza musical da música brasileira?

Chadas Ustuntas: Muito. Acho que músicos tem que se influenciar, somos todos um só. É impossível não receber influência do lugar, você absorve e reflete depois. Isso é um aprendizado, um crescimento. A verdadeira universalidade do espírito da música. Um turco tocando samba, um brasileiro tocando música turca, um chinês tocando música japonesa.

Daniela Aragão: Você é muito talentoso e transita pelas "tribos" do jazz, clássico, música popular brasileira com total desenvoltura.

Chadas Ustuntas: Me dediquei a não pertencer a uma coisa só, pois achei que ficaria limitado. Para mim é natural. Eu não queria ser só jazzista, ou músico erudito. Tem as pessoas que fazem muito bem isso, que dominam absolutamente a linguagem do gênero por canalizarem tudo nela. Vi que meu caminho não seria esse.

Como eu trago essa ligação com o cosmos, inevitavelmente tive que juntar tudo. Essas linguagens são tão naturais para mim que faço brincando, brincando e aprendendo, experimentando e concretizando dentro de um show que é o "Cosmofonia".

Daniela Aragão: Dentro da música brasileira, qual o músico que mais te impactou?

Chadas Ustuntas: Hermeto Paschoal. Ele também tem uma universalidade muito grande que vai além das fronteiras. Faz música com pássaros, sapos. É uma maneira muito divertida e inovadora de brincar com a música. Ele também faz de uma maneira muito natural. É um estudioso e concretizou seus estudos. Admiro muito também Villa Lobos, escuto muito ele desde muito cedo. São gênios da música brasileira.
No Brasil também há grandes violonistas, o violão é instrumento que representa o Brasil. O Yamandú Costa participou comigo em duas faixas no disco Translação e nos tornamos amigos, tocamos juntos. Esse intercâmbio é muito estimulante para mim.

Daniela Aragão: Num país tão grande como o Brasil você pode passear por uma profusão de modalidades. São tantas ricas e diversas intensidades sonoras, de Minas, Rio, Nordeste e por aí vai.

Chadas Ustuntas: É uma explosão de linguagens e de formas diferentes de se fazer música. Por isso escolhi ficar aqui, essa é a minha maior motivação. A riqueza da música e da natureza brasileira me conquistaram.

Daniela Aragão: O repertório do show está fechado?

Chadas Ustuntas: Estou querendo propor a música no calor da hora, a música que irá comandar. As imagens são previamente escolhidas e alguns caminhos sonoros, mas estarei aberto para o instante da recepção do público. A equipe que trabalha comigo conta com Guilherme Landim na direção artística e Claudia Rangel. Eles são muito experientes com o trabalho de imagens, pois trabalham com cinema. Já fiz a trilha sonora para um filme deles.

Daniela Aragão: Você compõe trilha para cinema também?

Chadas Ustuntas: Sim e também para teatro. Fiz o Dorian Gray para teatro. É uma experiência muito agradável.

Daniela Aragão: É a primeira vez que você fará o show com o revestimento de imagens projetadas?

Chadas Ustuntas: Já apresentei três vezes no "Maquinaria" com uso de imagens, mas cada vez vou reelaborando. Agora amadureceu e chegou a hora de mostrar para mais pessoas como algo concretizado.

Daniela Aragão: Você pretende lançar em disco esse trabalho?

Chadas Ustuntas: Sim, inclusive já temos coisas gravadas. Temos demos, mas cada vez é um show diferente, nada se repete. Surge na hora a música. A música toma conta de mim.

Daniela Aragão: O que resume a música para você em sua vida?

Chadas Ustuntas: A música é tudo, a alegoria do próprio universo. A música nos oferece várias opções de contemplar. O existir é para contemplar. É para sentir que você existe. A música é uma grande prova de que você existe e cabe a mim brincar com isso e mostrar o melhor de mim para as pessoas.


Daniela Aragão é Doutora em Literatura Brasileira pela Puc-Rio e cantora. Desenvolve pesquisas sobre cantores e compositores da música popular brasileira, com artigos publicados em jornais como Suplemento Minas de Belo Horizonte e AcheiUSA. Gravou, em 2005, o CD Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso.