Am I blue?
Am I blue?
Coloquei o título meio blasé de Am I blue?, inspirado na canção gravada por Billie Holliday. Abri o lado A com Chet Baker cantando Almost Blue, de Elvis Costello. Especialmente nesta canção Chet está sublime, intensamente in, com a voz calorosamente cool acentuando cada verso, sem desperdiçar nenhum colorido das notas. Não está tocando trompete, apenas canta acompanhado pelo piano e contrabaixo. Me apaixonei por Almost Blue assim que a ouvi pela primeira vez, o abandono e a esperança “quase azul”: “Almost blue/ Flirting with this disaster became me/It named me as the fool who only aimed to be”.
Escolhi para segunda faixa Tom Jobim interpretando sua Ângela: “Misteriosamente/Está tão diferente/Ângela/A face singular de Ângela, enquanto nos surpreende o amor”. Ângela está entre as mais belas e talvez menos conhecidas canções do maestro soberano: “Um compositor como eu escreve cerca de quatrocentas músicas na vida e fica famoso por uma ou duas delas”. Tom denso, exato e delicado com sua voz grave e seu piano econômico.
Em seguida entra João Gilberto, absoluto: “Estate sei calda como i baci che ho perduto/sei pena di un amore che è passato/che il cuore mio vorrebe cancellare”. Essa canção dos italianos Bruno Martino e Bruno Brighetti ganha o toque único de João. Só a lâmina de sua voz, acrescida pelos acordes precisos e a batida singular. Não tenho mais a referência do músico que toca com muita propriedade a vassourinha sofisticadamente cool (parece Robertinho Silva), que se casa com a dissonância da voz e da batida de João.
Quarta faixa, fixo meus olhos na fita que vai se enrolando em sua lentidão melancólica. Te acalma, minha loucura! Simplesmente a Doce presença (Ivan Lins e Vitor Martins) de Nana Caymmi e César Camargo: “Já tens meu corpo minha alma meus desejos/Se olhar pra ti estou olhando pra mim mesmo/Fim da procura/Tenho fé na loucura/De acreditar que sempre estás em mim”. Recordo-me que nesta época ouvia
Nina Simone intensifica o clima in, cantando e tocando The other Woman, com sua interpretação absolutamente blue. É poderosa a voz áspera e rascante de Nina, acompanhada pelo trio cool composto por piano, baixo e bateria. Quando gravei essa fita meu desejo se inclinava para a criação de uma atmosferanoir, meio cult. Talvez eu quisesse transformar minha amiga (a professora) e seu marido no casal Jean Seberg e Jean Paul Belmondo em Acossado ou em Maria Schneider e Marlon Brando em O último Tango.
A fita vai chegando ao fim, mas não exclui a figura sempre onipresente de Caetano Veloso. Aprecio seu pleno exercício de canção com gosto-corpo-gozo e sentido, A outra banda da terra dispensa palavras: “Amar/Dar tudo/Não ter medo/Tocar/Cantar/No mundo//Gozar a lida/Indefinidamente/Amar”.
Daniela Aragão é Doutora em Literatura Brasileira pela Puc-Rio e cantora. Desenvolve pesquisas sobre cantores e compositores da música popular brasileira, com artigos publicados em jornais como Suplemento Minas de Belo Horizonte e AcheiUSA. Gravou, em 2005, o CD Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso.