A projeção das novelas em nossa vida cotidiana
A projeção das novelas em nossa vida cotidiana
A redundância é uma das características primordiais da telenovela enquanto gênero televisivo: cada capítulo se inicia com a cena final do anterior, trazendo uma repetição incessante de cenas, quase sempre através de sonhos ou lembranças dos personagens. Além disso, as temáticas, os atores e os autores também se repetem. Em tramas que se passam na contemporaneidade e que buscam, por exemplo, abordar o preconceito racial, atores como Taís Araújo e Lázaro Ramos estão, com frequência, presentes. Outro exemplo é o de Antônio Fagundes, que acumula vários papéis autoritários, como o fazendeiro Bruno Mezenga de "O Rei do Gado" (em 1996-97, de Benedito Ruy Barbosa), o líder comunitário Juvenal Antena de "Duas Caras" (em 2007-8, de Aguinaldo Silva), o coronel Ramiro Bastos do remake que "Gabriela" (em 2012, com adaptação de Walcyr Carrasco) e o médico César Khoury da recente "Amor à Vida" (2013-14, de Walcyr Carrasco).
Tudo isso tem uma razão de ser. A escolha dos mesmos
Então, a telenovela é nada menos do que uma simulação dos dramas e conflitos humanos. A força deste gênero no Brasil mostra que a atuação da mídia está ligada ao equilíbrio social e contribui para ele na medida em que se aproxima, se afasta, molda, cria ou permite a identificação e a projeção do público nos personagens. A busca pela fidelização desse público é que força as tramas a utilizarem fórmulas repetitivas, com enredos sempre girando em torno de conflitos amorosos e familiares e a insistente polarização entre riqueza e pobreza. Mas a experiência do mercado permite que as novelas captem os aspectos ritualizados da vida cotidiana e os conectem com as novas sensibilidades populares para dar uma nova vida às narrativas midiáticas já gastas.
Ao tomar partido de um personagem ao invés de outro, a pessoa que assiste à telenovela está também se posicionando em relação à interpretação de seus próprios dramas. As novelas podem ser entendidas como um imenso repertório de histórias, personagens e comportamentos de domínio comum aos brasileiros. Neste contexto, associações previsíveis acabam dando lugar a combinações de elementos que mostram a busca da composição livre de perfis sociais. Quando nós usamos, por exemplo, roupas inspiradas no figurino de uma personagem televisiva, não estamos demonstrando a intenção de incorporar o "pacote inteiro", ou seja, não queremos assumir todas as características da personagem. Já começa aí a complexidade da relação entre telespectador e obra ficcional televisiva, e isto não pode ser ignorado nem pelos críticos que consideram a teledramaturgia simplória e alienante.
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Paula Faria é jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, além de especialista em TV, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. Também é publicitária pela Faculdade Estácio de Sá e desenvolve pesquisas relacionadas à comunicação, cultura e identidades, mais especificamente sobre ficção seriada televisiva e música popular brasileira