Professora de JF disputa Festival de Cinema de Bras?lia
Professora de JF disputa Festival de Cinema de Brasília com o documentário Kátia
O filme conta a história da primeira transexual brasileira a entrar no cenário político e foi rodado em 2010, após ganhar o Prêmio Petrobras Cultural
Repórter
21/8/2012
Nascida José, mas com alma Kátia. A história da primeira transexual brasileira a entrar no cenário político virou filme, idealizado pela professora do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Karla Holanda. A produção (assista ao trailer ao lado), de 74 minutos, está concorrendo ao prêmio de melhor longa de documentário do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que ocorre entre os dias 17 e 24 de setembro e será exibido no dia 19.
Apesar da formação em fonoaudiologia, Karla, que nasceu no Piauí, possui cursos e mestrado dentro da área da comunicação e cinema e, ainda faz doutorado dentro do tema. Há 20 anos fazendo documentários, a professora já realizou trabalhos sobre diversos escritores, como os mineiros Pedro Nava, Lúcio Cardoso e Aníbal Machado. Para esta produção, a professora conta que o interesse surgiu na forte história de vida da piauiense Kátia Tapety. "Embora eu seja do mesmo estado que ela, a primeira vez que ouvi falar de Kátia foi por meio de jornais e revistas. Ela já era uma figura conhecida por ser a primeira travesti da política e o sobrenome me chamou a atenção, por ser de uma das mais tradicionais famílias ligadas à política do Estado", conta.
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O primeiro contato entre a produtora e a personagem se deu em 2008, mas o filme só seria rodado em 2010. "Gravamos um material com Kátia e inscrevi o projeto nos melhores editais do ano. Em fevereiro de 2010, ganhamos o Prêmio Petrobras Cultural, o que eu mais almejava e um dos maiores incentivos nacionais para o cinema", explica. Após as gravações, o ano de 2011 foi dedicado à edição, finalização e mixagem do filme. No início de 2012, o trabalho ficou definitivamente pronto. "Começamos a enviar o filme para os principais festivais de cinema do país, e foi quando saiu o resultado de Brasília. Foi uma satisfação muito grande", comenta.
Karla explica que este ano está sendo um período difícil para os produtores de cinema, principalmente pelo cancelamento do Festival de Paulínia, o que acaba aumentando a concorrência. "Vários festivais estão ameaçados este ano, inclusive, o de Gramado. Acredito que seja devido ao ano eleitoral e falta de patrocínio. Portanto, a indicação para Brasília já é uma grande vitória, um prêmio", comemora.
De Kátia a Kátia
A princípio, o documentário chamaria De Zé a Kátia, mas a diretora preferiu deixar apenas o nome atual da personagem por acreditar que assim ficaria mais simples e clara a intenção. "Na edição do longa eu preferi mudar. Acho que o outro nome dava uma falsa ideia de que o filme ia tratar da transformação dela em travesti, e não queria criar uma falsa expectativa para o público." Karla conta que o filme mostra o dia a dia da personagem, em cenas rodadas durante os 20 dias em que a equipe ficou em contato com a política.
Moradora da Colônia do Piauí, Kátia foi vereadora por três mandatos seguidos, desde que a cidade foi emancipada de Oeiras em 1992, sendo sempre a legisladora mais votada. Entre 2004 e 2008 foi vice-prefeita da cidade. Segundo a diretora, o filme é despretensioso neste sentido e se restringe a retratar o cotidiano da personagem. "A pessoa política dela não é o mais importante no filme. Aliás, ela é política o tempo inteiro e em todos os lugares. Naquela região, as necessidades elementares não estão tão difundidas como aqui, e a Kátia aparece como uma pessoa bem informada, que sabe dizer para as pessoas onde se faz um título de eleitor e como se faz para marcar uma consulta médica, por exemplo", explica.
Tendo construído uma família nos moldes convencionais, por ter sido casada por mais de 20 anos com um homem e "mãe" de três filhos, Karla conta que Kátia é uma senhora de quase 60 anos de idade, respeitada em seu município, localizado numa das regiões mais religiosas e conservadoras do Estado. "É uma mulher espontânea, excêntrica. Ela não faz número, não faz questão de mostrar que é um travesti e vive extremamente à vontade com sua trajetória, com sua personalidade", conta. Dos nove filhos da família Tapety, Kátia foi a única que não estudou. O pai não gostava do fato de ter um filho "afeminado" e acabava o excluindo do convívio social. "Ela estudou em casa, mas acabou aprendendo tudo o que sabe com a vida. Ela tem uma noção muito forte do ser humano."
Após as gravações em Oeiras, a equipe ainda filmou por dois dias com a personagem no Rio de Janeiro, quando ela veio para participar de um Congresso LGBT na cidade. "Nesta ocasião, pude perceber como ela é a mesma pessoa em qualquer lugar. A forma como ela se comporta em seu nicho natural é a mesma que ela age onde e com quem ela estiver", conta.
"Minha mãe sempre foi uma santa, foi maravilhosa, sempre me aceitou do jeito que eu era; eu ajudava ela a lavar roupa, fazer comida. Ela nunca me bateu por causa disso, mas meu pai me bateu muitas vezes (...) Tem homem muito macho no Piauí, mas todos me vêem como uma senhora, não me vêem como 'ó o veado!'. Eles me respeitam: 'ali é dona Kátia, a vice-prefeita, é casada, é mãe de filho.' É uma família igual às outras, respeitada igual às outras, católica. Nós reza." - Trecho da entrevista de Kátia concedida à equipe de produção em 2008, disponível no site oficial do filme.
Os textos são revisados por Mariana Benicá