Represento, classifico, rotulo

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Represento, classifico, rotulo
 Aline Maia 18/03/2014

Represento, classifico, rotulo

Como é criada nossa visão de mundo? De que forma são concebidos nossos julgamentos e juízos sobre o cotidiano?

E lá estava ele, com seus 20 e poucos anos. De roupa vermelha, chinelos azuis, o uniforme que o rotulava como detento. Não parecia. Jovem, bem apessoado, seria difícil imaginar as acusações que pesavam sobre seus ombros. Sentado no banco dos réus, aguardava, amorfo, meio cabisbaixo, por seu julgamento e sentença. Talvez, se o víssemos em outro contexto, jamais conceberíamos o crime pelo qual responde: "Artigo 121 do Código Penal", anunciou a escrivã.

Presenciar esta cena, confesso, sensibilizou-me. Sabe-se lá que caminhos foram percorridos por este jovem até chegar à cadeira de acusação. Sabe-se lá, também, que oportunidades ele teve, ou não, para traçar um caminho diferente. Mas, outro fator que também saltou aos meus olhos foi pensar sobre a representação que temos do mundo, das coisas. Como destaquei logo de início, o sujeito agora entregue à avaliação do Júri Popular nem de longe lembraria um criminoso, um "jovem bandido", um assassino. Isso porque as representações que comumente temos deste 'tipo' não se assemelham à figura que estava ali, em julgamento. Não é meu intuito cair no reducionismo de frases feitas como "quem vê cara, não vê coração" ou, ainda, "criminoso não tem cara". Para além de julgamentos superficiais, chamo a atenção para as representações: como surgem, estabelecem-se e, principalmente, como têm o poder de moldar pensamentos e comportamentos.

De antemão já preciso avisar ao leitor internauta que as representações têm sido o tema de minhas leituras e estudos mais recentes. Daí o interesse em compartilhar esta reflexão. O psicólogo social romeno radicado na França, Serge Moscovici, é quem nos motiva neste artigo. Ele destaca que as representações sociais são "um modo de compreender um objeto particular". Uma vez que recebemos informações o tempo todo - uma cena observada na rua, uma conversa com a vizinha ou colega de trabalho, a leitura de um jornal, por exemplo -, tornamo-nos dependentes de dispositivos, parâmetros, que nos ajudem a compreender, processar estas informações. Diante desta necessidade, as representações sociais agem com duas funções: a) a primeira, dando forma e sentido aos objetos, às pessoas, aos acontecimentos, eliminando características particulares do ser ou situação observada e fazendo emergir uma forma mais familiar e geral; b) a segunda função é o caráter prescritivo das representações, que acabam por se impor como uma força irresistível sobre a sociedade, incorporam-se ao cotidiano.

As representações são criações coletivas, dinâmicas, compartilhadas pelos membros de um grupo ou sociedade e reforçadas pela tradição deste grupo ou sociedade. As representações operam em um conjunto de relações e comportamentos que nascem e morrem. Por isso, as representações também podem surgir e desaparecer. As representações sociais estão relacionadas ao modo de compreender e de comunicar o mundo, um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. Assim, as representações estão intimamente ligadas à comunicação, por ser um produto desta e da interação. Ao mesmo tempo em que são difundidas pelas práticas comunicativas, também são mecanismos para tornar a comunicação possível, uma vez que têm por finalidade tornar familiar o não familiar. "As representações podem ser o produto da comunicação, mas também é verdade que, sem a representação, não haveria comunicação", pontuou Moscovici.

Neste contexto se sobressai o papel dos meios de comunicação na configuração e conformação de representações sociais: a mídia acelera as mudanças que as representações devem sofrer para penetrar a vida cotidiana e se tornar parte da realidade comum. Ao mesmo tempo em que colabora para a propagação de uma representação, a mídia também reforça e legitima tal representação. Assim, a forma, por exemplo, como a TV representa as situações cotidianas terá ação direta sobre sua sociedade. Vamos pensar: que representação eu tenho de jovem da periferia? Que imagem eu tenho de mães solteiras? O que vem à minha mente quando penso em determinado bairro da cidade que só aparece nos noticiários policiais? O que penso sobre negros e índios?

Quando represento, classifico. E quando classifico, rotulo. Quais são os rótulos que temos imprimido às pessoas e aos acontecimentos? E que pré-conceitos estão embutidos nesta categorização dos seres e do mundo? Pensar representação é pensar a compreensão que cada um de nós temos das coisas, do mundo.*

(*continua no próximo mês)


Aline Maia é jornalista e professora universitária. Doutoranda em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem experiência em internet, rádio e TV. Interessa-se por pesquisas sobre mídia, juventude e cidadania. Atuante em movimentos populares e religiosos.