Só agropecuária vê renda subir em uma década
BELO HORIZONTE, MG, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Em um período de dez anos, a renda média do trabalho no Brasil só cresceu para o setor que envolve a agropecuária. É o que indicam dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
No segundo trimestre de 2022, o rendimento médio real da população ocupada foi estimado em R$ 1.690 na atividade de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.
O valor é 12,7% superior ao de igual intervalo de 2013 (R$ 1.500). Ou seja, houve ganho de R$ 190, em média, na década. Os cálculos levam em conta a inflação.
Enquanto isso, as outras dez atividades analisadas na Pnad mostraram relativa estabilidade ou queda na renda na mesma comparação.
A pesquisa é divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e contempla tanto o mercado de trabalho formal quanto o informal. Em outras palavras, a Pnad retrata desde os empregos com carteira assinada e CNPJ até os populares bicos.
A variação positiva da renda no campo está associada em grande parte à valorização das commodities agrícolas na pandemia, indica o economista Vitor Hugo Miro, professor do Departamento de Economia Agrícola da UFC (Universidade Federal do Ceará).
"A renda cresceu com as commodities. A valorização de grãos como milho e soja trouxe reflexos para o mercado de trabalho", avalia.
Outro fator que explica o desempenho é o ganho de produtividade mais intenso da agropecuária na comparação com indústria e serviços, afirma o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
"Do ponto de vista da produtividade, a agropecuária respondeu muito mais do que serviços e indústria."
Felippe Serigati, professor e pesquisador da FGV Agro, concorda que o setor ficou mais produtivo e dinâmico com a incorporação de tecnologia.
"Houve uma combinação. Do lado da oferta, temos um setor que foi se sofisticando e contratando mão de obra mais qualificada. E, do outro, o país se deparou nos últimos anos com uma demanda aquecida, em que a China responde por uma fração importante, resultando em um mercado de trabalho mais aquecido, com uma remuneração maior", diz.
Serigati ressalta ainda que o setor da agricultura se mostrou bastante resiliente nos últimos dez anos, sendo capaz de atravessar uma série de turbulências: recessão, greve dos caminhoneiros e pandemia.
"Nada disso teve um grande efeito. A agropecuária tem uma interface grande com o setor externo, que possui uma demanda gigante por produtos que o Brasil consegue produzir", afirma.
Joni Ricardo Gonçalves, 37, resolveu apostar há cerca de seis anos na produção de alimentos como alface, rúcula e agrião no município catarinense de Araquari (a 168 km de Florianópolis). Ele trabalha com sua esposa e um sobrinho.
Antes de ingressar na agricultura, Gonçalves trabalhava em uma empresa de refrigeração que fechou as portas. Para mudar de área, ele teve de buscar qualificação em cursos e investir nos cerca de 2,5 mil metros quadrados de estufas.
A perspectiva em termos de renda, diz, é positiva. "E, em questão de qualidade de vida, a situação melhorou muito", relata.
Rafael Mesquita também encontrou na agricultura um novo estilo de vida. Ele se mudou em 2016 para o campo, em São Lourenço da Serra, na região metropolitana de São Paulo, para criar uma produção agroecológica, com hortaliças, ovos e algumas frutas, dentro de um sistema de agrofloresta. Com outros agricultores da região, ele vende cestas de alimentos orgânicos.
"Acho que essa mudança foi boa, mais que financeiramente, para a qualidade de vida da família. Financeiramente é um processo de construção como em qualquer outro lugar, mas a qualidade de vida é muito melhor", diz.
Em 2020, Vinícius Granato, 43, resolveu sair do setor da mineração para ingressar no agronegócio em uma multinacional brasileira especialista em nutrição vegetal, localizada em Uberaba, no triângulo mineiro. O salário mais atrativo, 30% maior, foi um dos fatores principais que pesaram na decisão de trocar de emprego.
"Resolvi mudar também por ser um segmento forte e em pleno crescimento, que nem sofreu com a pandemia. A escolha foi pautada no escopo do trabalho, na expectativa de carreira."
Na média de todas as atividades pesquisadas na Pnad, a renda do trabalho principal foi calculada em R$ 2.575 no segundo trimestre deste ano.
É o menor nível para o período de abril a junho na série histórica, iniciada em 2012. Houve baixa aproximada de 3,5% frente ao segundo trimestre de 2013 (R$ 2.667).
Antes da pandemia, lembram economistas, a renda já sinalizava dificuldades para avançar em meio a uma sucessão de turbulências que atingiu a economia brasileira.
Com a chegada da Covid-19, atividades mais dependentes do contato direto com clientes foram abaladas por restrições em centros urbanos. Para complicar, a disparada recente da inflação também derrubou salários em termos reais.
Alojamento e alimentação em queda Entre as atividades pesquisadas pelo IBGE, a maior queda no rendimento em dez anos foi registrada por alojamento e alimentação.
No segundo trimestre de 2022, a renda no setor foi estimada em R$ 1.713. O valor equivale a uma perda de 14% ante igual intervalo de 2013 (R$ 1.992).
"O setor de alojamento e alimentação sofreu muito na década. Houve a crise de 2015, depois a pandemia. É uma atividade que depende muito da renda da população", analisa Miro, da UFC.
Embora tenha crescido, o rendimento médio da agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (R$ 1.690) ainda é o segundo menor entre os segmentos pesquisados pelo IBGE. Só superou o de serviços domésticos (R$ 1.034) no segundo trimestre de 2022.
Na ponta de cima da lista, a maior renda foi registrada em informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas. A quantia no segundo trimestre deste ano foi estimada em R$ 3.809.
Para Miro, a melhora da renda no geral exige esforços que vão além da criação de empregos. O país também precisa avançar na qualificação da mão de obra, diz o professor.
"Não basta só permitir o acesso à escolaridade. É extremamente importante qualificar a mão de obra de uma maneira mais profissional", avalia.
"Estamos recuperando vagas de trabalho, tanto informais quanto formais, mas o nível dos salários não está sendo recomposto. Pessoas estão assumindo vagas com rendimento inferior após as dificuldades na pandemia", completa.
Mattos, da PUCRS, também chama atenção para a necessidade de avanços na educação. Segundo ele, a melhoria na área é necessária para o crescimento da renda no longo prazo.
"A educação tem de vir primeiro", diz. "Claro, também são necessários outros ajustes em questões como simplificação da matriz tributária e infraestrutura."