Proposta do Tesouro para teto de gastos flexível torna limite de despesas permanente
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A proposta de uma nova regra fiscal em elaboração pelo Tesouro Nacional pode transformar o teto de gastos, cuja vigência atual vai até 2036, em política permanente para as contas públicas do país.
Segundo técnicos do órgão, o desenho em discussão daria "perenidade" à regra, aprovada pelo Congresso Nacional em 2016 com duração de 20 anos.
O novo teto de gastos, porém, ficaria mais flexível, com espaço para ampliação de despesas em cenários de trajetória mais benevolente da dívida pública, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo.
Hoje, o teto é corrigido apenas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), mas a ideia dos técnicos é que as despesas federais possam crescer acima da inflação se o endividamento federal estiver abaixo de determinado patamar ou em trajetória de queda.
"O que estamos propondo, em linhas gerais, é reforçar a regra da despesa, a regra do teto, deixando ela um pouco mais flexível se a gente estiver em situação de dívida em trajetória favorável, cadente, ou em níveis mais baixos. Então, basicamente a ideia que a gente busca dar é um pouco mais de perenidade à regra, nessa linha", disse o subsecretário de Planejamento Estratégico da Política Fiscal do Tesouro, David Athayde, em entrevista a jornalistas sobre o resultado das contas públicas do mês de julho.
"É importante a gente reforçar a regra da despesa, tornando ela mais perene, e aí dando um pouco mais de flexibilidade se a dívida estiver num momento melhor, em nível mais baixo ou nível cadente, mais favorável, para poder permitir que o governo possa gastar um pouco mais", acrescentou Athayde.
A proposta só deve ser apresentada oficialmente depois das eleições, mas o Tesouro espera, ao longo do mês de setembro, coletar impressões e contribuições de acadêmicos e agentes do mercado financeiro. Um texto de discussão está em elaboração no órgão.
Antes mesmo de sua divulgação, porém, a proposta tem suscitado críticas de economistas, que veem risco de manobras para acelerar a flexibilização dos gastos sem o custo político de mexer na regra fiscal.
Além disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, já disse ser contra a manutenção do limite de despesas -embora economistas do PT defendam colocar outra regra no lugar do teto, não o mero fim da norma.
O teto de gastos foi proposto pelo governo Michel Temer (MDB). Na exposição de motivos da PEC (proposta de emenda à Constituição), os então ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, justificaram o prazo de duração de 20 anos.
"Esse é o tempo que consideramos necessário para transformar as instituições fiscais por meio de reformas que garantam que a dívida pública permaneça em patamar seguro", diz o texto de 2016. Por ter duração previamente estabelecida, as regras do teto foram inscritas no chamado ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
A partir do décimo ano de vigência do teto (ou seja, 2026), o presidente da República poderia propor mudança no índice de correção do teto por meio de projeto de lei complementar, sem necessidade de alterar a Constituição.
No entanto, esse dispositivo foi revogado pela PEC dos Precatórios, proposta pelo governo Jair Bolsonaro (PL) que, na prática, já flexibilizou o teto antes da hora e acomodou aumento de despesas em ano eleitoral.
Desde sua aprovação, o teto enfrenta críticas de diferentes segmentos, que acusam a regra de ter provocado uma forte contenção de recursos em diferentes frentes que deveriam ser vistas como prioritárias.
O próprio Bolsonaro já defendeu publicamente mudanças na regra para ampliar investimentos públicos. Em sua campanha à reeleição, o chefe do Executivo também promete manter o piso de R$ 600 às famílias beneficiárias do Auxílio Brasil e conceder reajustes ao funcionalismo público --medidas cujo custo supera os R$ 60 bilhões, sem que haja espaço no teto.
Para o Tesouro Nacional, a regra de limite de despesas tem a vantagem de ser simples e mirar na variável que o governo efetivamente controla: o gasto público.
"Uma regra de despesa traz realismo orçamentário, na medida em que não vai alocar despesa no Orçamento com base em projeção da receita que pode ser otimista", disse Athayde.
Ele salientou que, pelo desenho em elaboração, a dívida pública serviria como referencial para ajustar a regra de despesa, eventualmente permitindo a ampliação de gastos. Não seria uma meta para o endividamento.
Internamente, não se descarta prever na proposta de novo teto de gastos a possibilidade de reavaliações periódicas nos mecanismos de correção do limite, à semelhança do que havia sido aprovado originalmente em 2016.
"Estamos finalizando ainda uma discussão interna dentro do Ministério da Economia, juntamente com a Secretaria de Política Econômica e a Secretaria de Orçamento Federal, e pretendemos a partir de setembro ter esses debates com vários segmentos da sociedade, seja a academia, seja o mercado financeiro, sejam outras instituições como TCU [Tribunal de Contas da União] e Banco Central", disse o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle.
"Não temos prazo para mandar isso [proposta] ao Congresso Nacional, mas certamente será depois da eleição", acrescentou o secretário.