Economia com energia solar é novo concorrente do diesel em Roraima

Por ALEXA SALOMÃO E LALO DE ALMEIDA

BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) - Os técnicos estavam no telhado do SexMotel, instalando os painéis fotovoltaicos, e o administrador, Silvio Neves de Almeida, explicava. "A energia solar é uma questão de economia. Aqui se gasta muito com ar-condicionado, com máquina de lavar roupa para deixar os lençóis bem limpos. Nisso não tinha como mexer. Mas precisava baixar a conta de luz, que fica entre R$ 8.000 e R$ 9.000 por mês."

Em Boa Vista, capital de Roraima, tem sido assim. Seja em motéis, hotéis, supermercados, restaurantes, órgão públicos e residências, os sistemas solares estão tomando conta dos telhados seguindo o raciocínio da geração distribuída. Empresas e famílias instalam os sistemas, compartilham a energia gerada com a distribuidora e abatem a diferença entre o seu consumo e a energia repassada, para amenizar os gastos.

O uso da energia solar avança no mundo, mas seu crescimento em Roraima tem um significado particular. Nesse estado, 79% da energia vêm de térmicas movidas a combustíveis fósseis, e as fontes limpas respondem por 21%.

Essa proporção está na contramão do resto do Brasil, onde 80% da energia vêm de fontes limpas (hídrica, eólica, solar e biomassa). Térmicas com diesel, gás e carvão são 6% da matriz nacional.

"Cada sistema solar instalado pelo consumidor em Roraima é um custo evitado na compra da energia gerada por fontes fósseis, como diesel", diz Conceição Escobar, presidente da Abee-RR (Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas de Roraima), que participa dos movimentos em favor de energias sustentáveis no estado.

Esse descolamento em relação ao resto do país ocorre porque Roraima não tem ligação elétrica com as demais partes do Brasil. Boa Vista é a única capital desconectada.

Existem inúmeras versões sobre a dificuldade de construir uma linha de transmissão conectando o sul do estado ao sistema nacional. Por quase duas décadas, o abastecimento foi feito com energia da Venezuela, pela linha de transmissão de Guri-Macágua, ao norte.

No entanto, o fornecimento foi suspenso em março de 2019, quando Roraima passou a depender apenas de térmicas. A geração é feita com diesel e, mais recentemente, gás. Os altos custos financeiros e ambientais são compartilhados com todos os brasileiros.

Em 1973, foi criada, justamente com essa função, a CCC (Conta de Consumo de Combustível). Ela angaria contribuições de todos os brasileiros para o pagamento. A cobrança é feita na conta de luz, principalmente dos moradores de Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Em outras palavras, os brasileiros subsidiam a energia de Roraima e demais estados com áreas isoladas (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Pernambuco e Rondônia).

O sistema elétrico nacional avançou, o mundo migra para energias limpas, mas a conta de combustível do sistema isolado no Brasil segue alta. Neste ano, são R$ 12 bilhões previstos, o equivalente a 37% de todos os subsídios repassados à conta de luz.

A maior fatia vai para o estado do Amazonas, 76%. Roraima é o segundo na lista, com previsão de receber 10% no ano. Em julho, porém, 15% dos recursos da CCC foram para o estado.

Justamente por causa do subsídio, a tarifa de energia de Roraima está entre as quatro mais baratas do Brasil, numa comparação com os 26 estados e o Distrito Federal. No entanto, o gasto dos moradores com energia é pesado, por questões locais.

"O ar-condicionado é o principal problema, porque precisa ficar ligado praticamente o tempo todo", explica Norry Rabelo, sócio da Donzol, uma das mais antigas empresas de instalação de usinas solares. A conta de luz de uma casa de classe média pode oscilar de R$ 800 a R$ 1.000, por causa da refrigeração.

A questão da economia na conta é tão premente que são raros os projetos com bateria para que o consumidor possa usar a sua produção durante a noite. Após o pôr do sol, a energia é integralmente ofertada pela distribuidora local.

Há três razões que motivam um investimento em geração solar, aponta pesquisa da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).

A primeira é o bolso, o investidor busca economia com a conta de luz. A segunda é a autonomia, pois ter uma miniusina solar permite gerenciar gastos. A preocupação com o meio ambiente, para a redução de gases de efeito estufa, é o terceiro fator.

Nos últimos dez anos, o preço médio dos equipamentos de geração solar caiu 86%. Segundo Rabelo, essa redução foi essencial para impulsionar as vendas nos últimos dois anos em Boa Vista.

"No começo, eram apenas as residências que compravam os sistemas. Agora, há mais casas, mas também as empresas estão entrando." O Gavião, por exemplo, uma das maiores redes de supermercado da cidade, instalou um sistema com quase 2.000 painéis no teto de sua maior loja.

Há ainda um movimento forte no setor público. Em julho, o Tribunal de Justiça do estado inaugurou sua primeira usina fotovoltaica, instalada em prédio da Corte no município de Mucajaí, mas a geração também vai contribuir para a economia da sede em Boa Vista. Pelo projeto, serão poupados R$ 2 milhões por ano.

A Justiça vai construir outras seis usinas. "Todos os prédios administrativos, de todas as comarcas, vão contribuir para a transição energética", disse o desembargador Cristóvão Suter, presidente do TJ-RR.

Também está sendo implantada uma usina na UFRR (Universidade Federal de Roraima), com 1.116 painéis fotovoltaicos numa superfície de 2.300 m2. No campus, porém, além da redução de gastos, a discussão sobre energia tem contornos acadêmicos.

Segundo Josiane Rodrigues, professora do curso de engenharia elétrica, é possível aproveitar os equipamentos para que docentes e alunos possam pesquisar a produção fotovoltaica numa região equatorial.

No ano passado, o campus instalou um pequeno sistema e já iniciou algumas investigações. Um dos trabalhos foi dedicado ao sensor de radiância, equipamento que monitora a capacidade de o sol queimar as placas. No mercado, ele costuma custar cerca de R$ 2.500. Alguns chegam a R$ 10 mil. Mas os alunos Igor Aguiar, 22, e Lucas Sousa, 21, desenvolveram no trabalho de conclusão de curso as bases para um sensor que poderá custar R$ 500.

O organismo mais atuante no estado, porém, é a Prefeitura de Boa Vista, que espalhou sistema solares pela cidade. Além de uma usina na periferia da capital, há equipamentos de geração no Terminal de Ônibus Luiz Canuto Chaves, no Mercado Municipal São Francisco, Teatro Municipal, bem como no Palácio 9 de Julho, sede da prefeitura, e na Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente.

A administração da cidade chegou a instalar miniusinas em 74 abrigos de ônibus para fazer a climatização. As placas, no entanto, começaram a ser roubadas e tiveram de ser retiradas. Foram realocadas na cobertura do estacionamento da secretaria de Meio Ambiente.

Segundo Daniel Peixoto, secretário da pasta, os projetos de energia solar geram para a prefeitura créditos suficientes para fazer uma economia R$ 5 milhões por ano. Essa conduta do poder público, afirma, também serve de exemplo para os cidadãos da capital.

"Muitos particulares adotaram a energia solar por causa dos projetos da prefeitura", diz Peixoto.

A geração solar em Roraima também ganhou impulso a partir de um trabalho de convencimento liderado pelo Fórum das Energias Renováveis e por um dos seus idealizadores, o engenheiro Alexandre Henklain, ex-secretário de Planejamento e Desenvolvimento do estado.

Entusiasta da necessidade de acelerar a transição energética, Henklain disseminou informações sobre as vantagens das energias limpas.

"Ele instalou um sistema em casa e experimentava os benefícios como usuário, mas, como engenheiro, usava para coletar dados", diz Marcelo Henklain Oliveira, professor de Ciência da Computação na UFRR e filho de Alexandre, que morreu em abril.

Apesar de toda essa mobilização, a energia solar representa por enquanto apenas 1% da matriz em Roraima.

Segundo Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, Roraima poderia ampliar o uso de energia limpa em velocidade maior se a política pública federal deixasse de privilegiar os combustíveis fósseis.

"A região amazônica, pelo volume de nebulosidade, tem menos potencial que o Nordeste, mas ainda assim muito acima da média de outros países que investem pesado em energia limpa", diz ele.

Sauaia, no entanto, lembra que, no mais recente leilão de energia que afetaria a matriz do estado, ocorreu aumento do uso de gás, quando havia espaço para ampliar a participação de fontes renováveis.

"Por emitir menos que o diesel, por exemplo, o gás está sendo promovido a combustível da transição, em países que dependem de térmicas, mas esse argumento não fica em pé no Brasil, cuja matriz é limpa e mais barata", diz.

"Não faz sentindo ambiental e financeiro para o Brasil privilegiar o gás, isso é poluir mais na nossa transição e elevar o custo, pois as novas tecnologias de fontes mais limpas também custam menos."

A expectativa é que o debate no Brasil consiga seguir o caminho de outros países, como a Austrália, um dos maiores exportadores de carvão mineral do mundo, diz Sauaia.

A pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias avançaram rapidamente por lá, mas a oferta de produtos ao consumidor foi lenta por força de lobbies que limitavam a política governamental. Superada a resistência, a Austrália se tornou exemplo. Atualmente, uma em cinco casas produz energia solar.

A série de reportagens Energia na Amazônia foi produzida com apoio da Rede Energia e Comunidades.