Comida é principal destino de dinheiro do Auxílio Brasil, aponta Datafolha

Por DOUGLAS GAVRAS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A tentativa de assegurar a alimentação da família faz com que 76% dos beneficiários do Auxílio Brasil utilizem o benefício para colocar comida dentro de casa, de acordo com pesquisa Datafolha dos dias 20 a 22 de setembro.

Apesar dos esforços do governo para baixar os preços dos combustíveis, isso não teve impacto direto sobre os gastos dos beneficiários, de acordo com a pesquisa.

Os níveis recordes de endividamento das famílias também fazem com que 11% utilizem o auxílio para pagar dívidas.

Em seguida, são mencionadas a compra de remédios (6%) e a aquisição de gás de cozinha (2%); outros gastos são citados por 5%.

No levantamento, 24% dos entrevistados disseram que alguém da casa recebe o Auxílio Brasil, e 7% afirmaram receber o Vale-Gás federal.

O eleitorado petista segue resistente entre os beneficiários do programa: 59% dizem que irão votar no ex-presidente Lula, 26%, em Bolsonaro, 5%, em Ciro Gomes (PDT), e 3%, em Simone Tebet (MDB).

Em caso de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, 64% declaram voto no petista e 30% no atual presidente.

CAI PERCENTUAL DOS QUE RELATAM COMIDA INSUFICIENTE

Mesmo com o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e a queda recente da inflação, para pouco mais de um quarto (27%) do total da amostra do Datafolha, a quantidade de comida em casa foi insuficiente.

Esse patamar representa uma queda ante o observado no fim de julho (32,6%), mas ainda acima do registrado em junho (25,9%), e é o segundo mais alto da série iniciada em maio.

Nos últimos meses, com os alimentos mais caros e a pobreza ainda mais visível nas esquinas da cidades brasileiras, a insegurança alimentar voltou ao centro do debate político.

Em junho passado, a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Penssan, apontou que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil --um patamar semelhante ao que havia sido registrado três décadas atrás.

Em setembro, um desdobramento desse relatório mostrou que a fome hoje ronda 1 a cada 3 famílias brasileiras com crianças de até dez anos, sobretudo em lares do Norte e Nordeste.

Mesmo em busca de votos nas regiões mais pobres do país, o presidente Jair Bolsonaro tem desqualificado os dados sobre falta de comida. "Fome para valer, não existe, como da forma que é falado. O que que é extrema pobreza? Você ganhar US$ 1,9 por dia, isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Quem por ventura está no mapa da fome pode se cadastrar e vai receber", disse ele, a um podcast.

Bolsonaro também disse que não há pessoas nas portas de estabelecimentos comerciais pedindo comida. "O que a gente pode dizer, se for a qualquer padaria, não tem ninguém pedindo para comprar pão. Não existe. Eu falando isso estou perdendo votos, mas a realidade não pode deixar de dizer", afirmou.

Em busca de alimentos em uma padaria na região da avenida Paulista, Raian Alves, 23, é um dos brasileiros que contrariam o discurso do presidente. "Muita gente está pedindo comida e dinheiro nas portas do comércio, às vezes tem até briga para ver quem consegue ficar perto de padarias. A maioria das pessoas ajuda, mas no frio é mais difícil conseguir alguma coisa."

Um vídeo recente que circulou pelas redes sociais também ajudou a levar o tema para o campo eleitoral. Na gravação, um bolsonarista informa a uma mulher que ela não receberia mais doações de alimentos por declarar voto no ex-presidente Lula.

No material, publicado primeiro pelo perfil Jornalistas Livres, a diarista Ilza Ramos Rodrigues, 52, é humilhada pelo eleitor de Bolsonaro, que pergunta em quem ela votará para presidente na próxima eleição. O empresário mais tarde se desculpou pelo vídeo.

N semana, foi a vez de o ministro da Economia, Paulo Guedes, adotar um discurso que minimiza o problema da falta de alimento: "Isso são fatos econômicos, não adianta. A tática política é de barulho: 33 milhões de pessoas passando fome. É mentira, é falso. Não são esses os números", disse, em um evento do setor automotivo em São Paulo.

Para a ativista Dalileia Lobo, que coordena um projeto de apoio a quem está em situação de rua, no centro de São Paulo, o pós-pandemia pode acabar invisibilizando o problema. "Houve um grande esforço e um aumento de doações no começo da pandemia, mas, com a alta dos alimentos, as doações caíram, em um momento de grande procura por comida."

Apesar de tratarem de temas semelhantes, os dados do relatório da Rede Penssan e da pesquisa Datafolha não permitem comparação: o levantamento da Pensann é uma amostra de domicílios usando quatro categorias de gravidade da insegurança alimentar: segurança alimentar, insegurança alimentar leve, insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave.

Já a do Datafolha, por sua vez, é uma amostra com a população brasileira adulta (16 anos ou mais). Outro ponto é que, no pesquisa do instituto, a resposta se dá pelo que o entrevistado entende por "falta de comida", em uma única pergunta.