Sonho de jovens com engenharia e medicina acaba em informalidade e baixo salário

Por FERNANDO CANZIAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 2012, os irmãos Luan, Alan e Vanessa Silva, moradores de uma comunidade pobre em Jaboatão dos Guararapes (PE) sonhavam em ser engenheiros e médica.

Hoje, aos 23, 22 e 20 anos, respectivamente, os três trabalham em ocupações precárias e não têm mais a perspectiva de fazer faculdade --embora tenham concluído o ensino médio.

Luan ajuda o pai na criação de galinhas para abate e venda. Alan é ajudante de pedreiro; e Vanessa já trabalhou em loja de roupas e num depósito de distribuição de água.

"Não deu certo o plano da faculdade, e eles começaram a se virar para ter o seu dinheiro e ajudar na casa", diz Pedro Silva, 72, pai dos jovens, que mora com eles em um barraco com chão de terra, mais a mulher e outro filho de 10 anos.

Há 17 anos a Folha acompanha a evolução da família Silva, assim como de outra vizinha deles, os Dumont, no chamado Suvaco da Cobra, a 19 km do centro do Recife.

Entre os numerosos Dumont, com mais de 20 membros entre filhos e netos, ninguém conseguiu entrar na faculdade, e alguns sequer concluíram o ensino médio.

As duas famílias, que fizeram parte do Bolsa Família e hoje têm membros recebendo o Auxílio Brasil, mostram como é difícil para os jovens pobres do Brasil alcançar maiores níveis educacionais e de renda.

Mesmo entre os que fizeram o ensino médio, a capacidade de leitura, compreensão de textos e escrita é bastante limitada, conforme a reportagem constatou ao longo dos anos em testes de leitura e ditados.

Em termos materiais, essas famílias até que evoluíram ao longo desses 17 anos, melhorando as condições de suas casas e comprando eletrodomésticos. Mas seguem sem a perspectiva de obter renda maior no futuro e se livrarem da dependência de programas de transferência do Estado.

Na família dos Dumont, apenas um membro tem carteira de trabalho assinada. Entre os Silva, nenhum.

"O principal motivo que leva os jovens a deixar de estudar é a busca por renda", afirma Mariana Resegue, uma das coordenadoras do Atlas da Juventude, plataforma de monitoramento, pesquisa e avaliação de políticas públicas para a juventude no Brasil.

"É uma situação muito preocupante, pois a maioria deles acaba na informalidade, com baixos rendimentos e sem contribuírem para a Previdência, o que será um grande problema no futuro."

Mesmo em estados mais ricos como São Paulo, a ansiedade dos jovens com o mercado de trabalho é grande, sobretudo com a falta de perspectiva de remunerações mais elevadas.

Aluna da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo, Isabela Guimarães Andrade, 25, diz que seria impossível manter-se sem a ajuda de seus pais, pecuaristas em Rondônia.

O último emprego que conseguiu pagava R$ 2.500 ao mês, sendo que só a mensalidade de sua faculdade de jornalismo custa R$ 4.127. Ela divide um apartamento e as contas com a companheira, uma advogada que ganha cerca de R$ 4.000 mensais.

Seus planos para o futuro são trabalhar e continuar estudando, até conseguir seguir uma carreira acadêmica. "Mas é muito catastrófica a perspectiva. Choro com frequência pensando em como poderei me sustentar sozinha no futuro. Não me vejo comprando uma casa nunca", diz.

Entre conhecidos, ela tem duas amigas com doutorado desempregadas e outras seis pessoas que saíram do Brasil. "A última coisa que gostaria de fazer é sair do país, mas é no que também tenho pensado", diz.

A 20 km da Faap, na periferia de Guarulhos, Yanne Matos, 17, estudante do ensino médio que mora na casa da avó, diz que nem sequer consegue imaginar como será sua vida daqui a dez anos.

Depois de já ter trabalhado como babá (por R$ 400 ao mês, das 7h às 18h em vários dias da semana) e numa fábrica de roupas (R$ 1.500), hoje ela atua como caixa de supermercado ganhando R$ 650 mensais por cinco horas diárias. Nos finais de semana, consegue uma renda extra fazendo sobrancelhas.

Ela tem tido mais sorte que sua amiga Kimberly Gomes de Souza, 16, também no ensino médio e que afirma estar procurando qualquer tipo de trabalho ("menos telemarketing") desde o início do ano.

Souza vive com parte da renda do Auxílio Brasil recebido pela mãe, atualmente desempregada, e da avó, aposentada pelo INSS.

Colega das duas jovens, Gustavo Henrique da Silva Amaral, 17, começou a trabalhar aos 14 anos, como auxiliar de mecânico, e hoje ganha algum dinheiro produzindo material de divulgação em mídias sociais para escolas, salões de beleza e clínicas.

Morador da chamada Favela da 25, em Guarulhos, assim como Kimberly Souza, Amaral e outros 620 jovens procuram melhorar suas chances realizando cursos no Instituto Sonhar Alto, apoiado pela ONG Gerando Falcões.

Segundo Odilon Araújo, coordenador da Sonhar Alto, eles fazem cursos de tecnologia, administração e logística, alguns em parceria com o Senac. "No primeiro semestre, após examinar a demanda de empresas, conseguimos treinar e empregar 30 jovens, e temos como meta mais 50 até o fim do ano", diz Araújo.

Segundo ele, a realidade local é que os jovens começam a trabalhar muito cedo, sem muita perspectiva de ingressar na faculdade --daí a necessidade de um treinamento mínimo para tentar a sorte no mercado de trabalho.