Do estágio probatório ao Planalto, a redenção de Mercadante

Por CATIA SEABRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-ministro Aloizio Mercadante, 68, volta nesta quinta-feira (3) ao Palácio do Planalto na condição de coordenador técnico da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mercadante se redimiu e hoje está bem posicionado para ocupar um cargo no governo, nas palavras de um amigo de Lula.

Ele trilhou um árduo caminho até aqui. Quando foi indicado para a coordenação do plano de governo de Lula, petistas chegaram a brincar que aquele seria um estágio probatório.

Ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação; da Educação e Chefe da Casa Civil do governo Dilma, ele foi apontado pelos petistas como corresponsável pela crise que culminou no impeachment da ex-presidente.

Foi debitada na conta de Mercadante a estratégia de se contrapor ao PMDB (hoje MDB) dentro do Congresso Nacional, articulação que, fracassada, não impediu a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Cunha conduziu o impeachment de Dilma.

Petistas também atribuem ao ex-ministro a decisão de Dilma de persistir na candidatura à reeleição em 2014, no momento em que aliados de Lula tentavam convencer o ex-presidente a disputar o Planalto como saída para a crise política e econômica que se instalava no país.

Segundo petistas, foi Mercadante quem insistiu para que Dilma concorresse sob o argumento de que Lula não pretendia se candidatar.

Responsabilizado por seus pares, o petista acabou sendo alijado do núcleo de colaboradores de Lula.

Amigos dos ex-ministro minimizam seu papel na crise enfrentada pelo PT. Afirmam que Dilma nunca insistiria na própria candidatura caso Lula quisesse realmente concorrer na eleição de 2014. Lembram ainda que Mercadante tinha deixado a Casa Civil e assumido o Ministério da Educação nove meses antes do impeachment da ex-presidente.

Alegam também que a continuidade do processo da Lava Jato durante o governo Michel Temer (MDB) prova que o problema encarado por Dilma não se restringia a uma deficiência na articulação política, mas à sua resistência a pautas posteriormente abraçadas pelo sucessor.

Argumentos em defesa do ex-ministro não mitigavam as críticas de petistas. Colegas de partido ressuscitavam até casos de 1994, quando ele teria minimizado o sucesso do Plano Real, que garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), derrotando Lula.

Vice de Lula na corrida pela Presidência, Mercadante teria lamentado integrar a chapa naquele ano, por ter perdido a chance de se reeleger deputado federal, segundo contam dentro do PT.

Além disso, ele disse que não se reconhecia dentro do PT, durante as revelações do chamado escândalo do mensalão. O ex-ministro disse ainda que não via projeto político para o PT sem medidas saneadoras.

A postura alimentou desafetos dentro do partido, muitos deles do círculo de amigos de Lula. Em 2020, o ex-ministro Fernando Haddad convenceu Lula a apoiar o nome de Mercadante para a presidência da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.

Foi aberto o caminho para sua redenção. À frente da Fundação, ele coordenou produção de extenso material, entre eles o que propôs a ampliação do Bolsa Família para redução de danos da pandemia. Ele também liderou os núcleos de acompanhamento de políticas públicas, que serviram de base para debate de propostas para um programa de governo.

Dono de grande capacidade de trabalho, ele promoveu, na sede da fundação, reuniões e debates que antecederam a campanha de Lula, oficialmente iniciada em maio deste ano.

Nomeado coordenador de programa de governo, se reunia, virtual ou presencialmente, com os representantes dos demais partidos aliados em debates que consumiam as tardes. As reuniões aconteciam ainda nos fins de semana.

Um dos fundadores do PT, Mercadante acompanhou Lula nas viagens de campanha durante todo o primeiro turno, coordenando à distância a redação do plano de governo.

No segundo turno, foi artífice de encontros, como o de ex-candidatos à Presidência e ex-ministros do governo FHC.

Bacharel em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mercadante também subsidiava Lula na preparação para debates e encontros com representantes do mercado e empresariado.

Professor aposentado de economia pela Unicamp e professor licenciado pelo Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), fazia as vezes de mestre de cerimônias.

Em um desses eventos, repreendeu o deputado eleito Eduardo Suplicy, que interrompeu a apresentação das diretrizes do plano de governo para dizer que lá não constava a sua proposta de renda básica.

"Você poderia olhar com mais cuidado", respondeu o ex-ministro.

O tom professoral é apontado, por aliados, como um traço do petista. Aliados de Lula afirmam, no entanto, que ele esteve bem mais leve durante a campanha. Hoje elogiado por petistas, Mercadante terá, na opinião de colaboradores de Lula, uma vaga no governo. Mas não deverá ser o Ministério da Fazenda.

Entre as apostas, não está afastada a hipótese de ocupar, por exemplo, a presidência de um banco público ou até o próprio BNDES. Dificilmente na área de articulação.

Há 42 anos no PT, Mercadante tem longa trajetória dentro do partido. Participou da fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e foi líder do PT na Câmara e no Senado. Em 2010, concorreu ao governo de São Paulo, obtendo 35% dos votos.

Eleito senador por São Paulo em 2002, com 10,5 milhões de votos. Sua produção acadêmica inclui "Como bases de desenvolvimento no Brasil: análise do governo Lula". Pai de dois filhos, ele dedica seu tempo aos seus quatro netos.