Beneficiários do Auxílio Brasil reclamam de desconto de empréstimo que não pediram
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Beneficiários do Auxílio Brasil reclamam de descontos indevidos ou antecipados no extrato de pagamento do benefício de novembro, que será depositado entre os dias 17 e 30 deste mês. Há queixas de pessoas que não solicitaram o empréstimo consignado, mas estão com descontos programados no próximo pagamento e também de beneficiários que pediram o crédito, mas contavam que a primeira parcela só seria debitada em dezembro.
Paola de Carvalho, diretora da Rede Brasileira de Renda Básica, diz estar recebendo diversos relatos. Segundo ela, o pagamento do benefício deste mês só começa na próxima semana, mas os extratos indicam os valores que serão creditados -como se fosse um contracheque. Em muitos casos, o demonstrativo indica um desconto de R$ 160 já neste mês, o que surpreendeu muitas pessoas.
Thais Salino, 29, é uma delas. Atualmente desempregada, ela afirma que não pediu o empréstimo consignado vinculado ao Auxílio Brasil, mas o aplicativo da Caixa mostra um débito no valor a ser pago em novembro. "Vi no aplicativo Caixa Tem, na opção de contratos, que consta um contrato que eu desconheço e está em processamento", diz.
Ao tentar cancelar, ela diz que aparece a mensagem de que é preciso esperar sete dias após a contratação para fazer a suspensão. A captura de tela feita por Salino mostra os detalhes do contrato e, mesmo que ela tivesse solicitado o crédito, consta que a primeira parcela deveria ser feita em dezembro.
Salino afirma ter tentado resolver o problema pelo SAC da Caixa, sem sucesso. "Se eu não conseguir [cancelar o contrato em sete dias] vou até à Caixa Econômica", diz.
Procurada, a Caixa Econômica Federal informou que, na operação do consignado, o Ministério da Cidadania, responsável pelo pagamento do benefício, faz a retenção antecipada do valor da parcela e o posterior repasse dos valores. "De acordo com a Portaria do Ministério da Cidadania nº 816/2022, não é permitida a concessão de carência para o primeiro pagamento", diz a nota.
O Ministério da Cidadania não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.
Thais Viana, 28, também diz ter sido surpreendida ao olhar o extrato deste mês. "Geralmente o aplicativo mostra os R$ 400, além dos R$ 200 [complementares]. Neste mês, estava só R$ 254, sendo que eu não fiz empréstimo. Eu até tentei, mas foi cancelado. Não recebi dinheiro nenhum", reclama.
Recepcionista no Rio de Janeiro, Viana diz que tentou contato pelos números disponibilizados pela Caixa, mas não consegue passar da etapa de atendimento eletrônico. "Eu trabalho das 8h às 18h, ir na agência é complicado", diz.
Quem também reclama de cobrança indevida é a auxiliar administrativa Rosilene Silva, 28. Ela diz ter solicitado o empréstimo no último dia 25, o qual foi aprovado. No entanto, na última sexta-feira (4), o contrato desapareceu da seção onde deveria constar --embora a primeira parcela já esteja programada.
"No aplicativo do Auxílio veio o desconto do empréstimo, sendo que eu nem peguei [o dinheiro]. Descontou R$ 160 no valor que eu recebo dia 21 [de novembro]". Segundo Silva, o crédito do consignado também não caiu na conta. "Olhei no Caixa Tem, puxei extrato, olhei na Caixa Poupança. Nada."
Na agência, ela diz ter sido informada de que era preciso esperar até dia 14 de novembro, porque havia um problema no aplicativo. "Olharam meu CPF e disseram que não tinha nenhum pedido de empréstimo, não consta no sistema. Mas eu tirei print do contrato, da mensagem que chegou", afirma.
O início da liberação do empréstimo consignado do Auxílio Brasil foi marcado por reclamações de empréstimo cancelado, demora na liberação do dinheiro, cobrança de taxa extra e sobrecarga nos sistemas da Caixa. A linha de crédito já foi suspensa pela Caixa duas vezes (a liberação de novos empréstimos está bloqueada até o dia 14 de novembro).
Às vésperas da eleição, o TCU (Tribunal de Contas da União) também recomendou que o empréstimo fosse suspenso. Após uma sobrecarga no sistema devido à explosão de acessos, pedidos foram cancelados ou ficaram em processamento. O banco estimou que havia cerca de 200 mil pessoas com o contrato em análise ou pendente até o dia 21 de outubro e que precisariam fazer nova solicitação.
Paola de Carvalho, da Rede Brasileira de Renda Básica, diz estar preocupada com a quantidade de famílias relatando que não receberam o dinheiro do empréstimo, mas que estão com o desconto previsto em seus extratos.
A diretora diz estar coletando os relatos para decidir o que fazer. Uma das opções é acionar a Defensoria Pública. "Mas vai demorar um ano, um ano e meio, para as pessoas serem ressarcidas. O que me preocupa é isso."
A recomendação oficial é que o beneficiário use o canal de atendimento do Ministério da Cidadania (telefone 121) para registrar sua reclamação. No entanto, Carvalho diz que as pessoas não têm conseguido obter retorno.
Ir à agência, ela diz, também tem sido infrutífero. "Eles mandam olhar no aplicativo ou procurar o Cras [Centro de Referência da Assistência Social], o que é um absurdo porque não são eles que organizam o pagamento do consignado", diz.
Além disso, a regulamentação do consignado previa que o banco deixasse bem claro para os clientes quais eram as condições ao contratar o crédito, mas Carvalho afirma que a realidade é outra. "Está sendo bem confuso", diz. "Deveria estar escrito que a partir de tal dia vai ser debitado o crédito do benefício, e nada disso foi feito", acrescenta.