Renúncia de Mantega ameniza queda da Bolsa provocada por fala de Lula sobre gastos

Por CLAYTON CASTELANI

SÃO PAULO, SP, E SHARM EL-SHEIKH, EGISTO (FOLHAPRESS) - Depois de um dia de turbulência em reação a falas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e à PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, a queda da Bolsa de Valores brasileira foi significativamente amenizada no encerramento da sessão desta quinta-feira (17) após a notícia, no final da tarde, de que o ex-ministro Guido Mantega comunicou sua renúncia à equipe de transição.

O evento coincidiu com um salto do Ibovespa, que saiu dos 107.668 pontos às 16h46, para fechar o dia aos 109.702 pontos, às 18h20. Isso não foi suficiente, porém, para evitar a queda de 0,49% do indicador de referência para as ações brasileiras, negociadas ao longo do dia sob a pressão da perspectiva de ampliação dos gastos públicos.

O mercado reagiu durante esta quinta à proposta do futuro governo de furar o teto de gastos para pagar o Bolsa Família e às declarações de Lula sobre a reação de investidores. Pela manhã, o Ibovespa chegou a ceder mais de 2%, recuando à mínima de 107.245 pontos.

Lula defendeu nesta quinta, durante um discurso na COP27 com representantes da sociedade civil brasileira, furar o teto de gastos para conseguir financiar programas sociais.

"Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência", disse Lula na conferência do clima da ONU que ocorre em Sharm el-Sheikh, no Egito. O petista afirmou ainda que a flutuação dos índices não acontece "por causa das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que ficam especulando todo santo dia".

"Quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos tudo que acontece é você tirar dinheiro da saúde, tirar dinheiro da educação, tirar dinheiro da ciência e tecnologia, tirar dinheiro da cultura. Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social. E você não mexe em um centavo do sistema financeiro. Você não mexe um centavo daquele juro que os banqueiros têm que receber", afirmou o presidente eleito.

O dólar comercial, cujas negociações terminam às 17h, fechou com alta 0,44%, cotado a R$ 5,4080 na venda. A alta da moeda americana também foi suavizada em relação à abertura do mercado de câmbio, quando a divisa disparou mais de 2% e atingiu um pico de R$ 5,53.

Antes da notícia sobre a renúncia de Mantega se espalhar, porém, os indicadores do mercado vinham melhorando aos poucos. Analistas atribuíram isso aos ajustes que investidores promoveram em suas carteiras conforme avaliaram os setores que podem ser mais ou menos prejudicados pela mudança nas expectativas quanto à economia do país, mas também consideraram que alguns sinais da equipe de transição e do Congresso podem ter ajudado a acalmar o mercado.

"O mais simbólico é o ajuste de posição em relação a empresas que se beneficiariam da queda dos juros, que por sinal devem voltar a subir, então, o movimento de hoje representa também ajuste de carteira dos gestores", disse Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos.

A renúncia de Mantega foi apontada por Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, e por Ubirajara Silva, gestor da Galapagos Capital, como um fator que contribuiu para acalmar investidores.

Beyruti ainda pontuou que as declarações de Lula tiveram impacto ainda na abertura do mercado, o que deu tempo para ajustes ao longo do dia. Ele também destacou que o mercado passou a considerar que a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição não passará sem alterações pelo Senado.

"Em um segundo momento, tivemos um discurso do [ex-ministro petista] Aloizio Mercadante, que mostrou alguma intenção de revisar gastos e cortar subsídios", completou Beyruti.

Além disso, o mercado doméstico já vinha de um dia de prejuízos. Na quarta-feira (16), o Ibovespa tombou 2,58% e o dólar avançou 1,52% enquanto a PEC era aguardada. O texto só foi apresentado à noite pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB).

A medida é considerada necessária pelo governo petista para evitar um apagão social no ano que vem, já que a proposta de Orçamento enviada em agosto por Jair Bolsonaro (PL) assegura apenas um valor médio de R$ 405,21 para os beneficiários, além de impor cortes severos nas verbas para a habitação e no Farmácia Popular.

Apesar de reconhecerem a necessidade de ampliar despesas, analistas alertam que, caso o governo não estabeleça limites claros para isso, o mercado passará a ser movido pela expectativa de que o dinheiro público irá impulsionar a inflação e os juros, em consequência.

Eles afirmam que, para controlar essa pressão inflacionária, o Banco Central pode retomar as elevações da taxa de juros do país, hoje em 13,75% ao ano. Juros altos tendem a esfriar o mercado de ações, pois investidores se voltam para os ganhos oferecidos pela renda fixa. Isso reduz a capacidade das empresas financiarem seus projetos, prejudicando a geração de emprego.

Além disso, o descontrole dos gastos públicos pode dificultar a execução do plano financeiro traçado pelo governo. É o chamado risco fiscal. Investir no país fica mais arriscado e os dólares dos estrangeiros vão para fora, tornando a moeda americana mais cara por aqui (o que também gera mais inflação devido aos custos de importação).

Quem continua investido no Brasil passa a exigir um retorno maior dos títulos do governo para compensar o risco, o que exerce ainda mais pressão no mercado de juros.

Esse efeito bola de neve, dependendo da proporção, pode ser devastador para a economia e o principal sintoma de que isso pode estar em curso é a alta dos contratos de juros futuros de curto prazo, que são referência para o mercado.

Em mais um dia de acentuada elevação, a taxa DI (depósitos interbancários) para 2024 oscilava em torno dos 14% ao ano na tarde desta quinta.

"Os juros sobem com a ideia de que o Brasil pode ter um problema fiscal devido à intenção do governo de aumentar os gastos", comentou Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos. "Já que o país quer gastar mais, o investidor cobra um prêmio maior."

No exterior, o cenário também não foi positivo. Pelo segundo dia seguido, os principais mercados de ações mundiais negociavam com quedas moderadas, o que também criava uma tendência ainda mais desfavorável para a Bolsa brasileira, com forte presença de investidores estrangeiros.

Parâmetro para a Bolsa de Nova York, o índice S&P 500 caiu 0,31% nesta quinta. Na véspera, o mercado americano abandonou o otimismo provocado nos últimos dias pela expectativa de que os juros no país poderiam subir menos nos próximos meses após a inflação ter perdido força em outubro.

Autoridades do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), porém, passaram a reafirmar que o aperto ao crédito para frear a inflação será mantido.

Paralelamente, sinais de que a alta dos juros já provoca sinais de recessão voltaram a chamar a atenção. Entre esses sinais está o balanço trimestral com resultados abaixo do esperado da varejista Target.

"Dados da gigante varejista americana Target também preocuparam investidores, demonstrando um mercado desafiador para o varejo e aumentando a preocupação de uma recessão no país", comentou Antonio Sanches, analista de investimentos da Rico.

O banco JP Morgan também apontou em relatório que os Estados Unidos caminham para uma leve recessão, segundo a agência Bloomberg.

A desaceleração da economia tende a reduzir a demanda por energia e isso afetava o preço de referência do petróleo. O barril do Brent perdia 3,11%, cotado a US$ 89,97. Na Bolsa brasileira, porém, as ações mais negociadas da petrolífera Petrobras conseguiram uma recuperação no final do dia e fecharam com ligeira alta de 0,03%.