Procurador-geral do Irã indica suspensão da polícia moral, mas anúncio é cercado de ceticismo

Por Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase três meses depois do início dos protestos detonados pela morte da jovem Mahsa Amini, o procurador-geral do Irã, Hojatolislam Jafar Montazari, indicou neste domingo (4) a suspensão da chamada polícia moral, que tem como função fiscalizar vestimentas e comportamentos de mulheres no país.

Oficialmente nomeada de Patrulha da Orientação, a unidade foi criada pelo ex-líder ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013) para impor o "cultura da decência" e do hijab, o véu muçulmano.

Com patrulhamento ostensivo, a instituição é acusada de atacar a liberdade individual e de praticar violência contra mulheres que supostamente desrespeitam os rigorosos códigos de vestimenta da república islâmica. Nos últimos meses, as críticas se intensificaram na esteira das manifestações desencadeadas pela morte de Amini, em setembro, que estava sob custódia da polícia moral.

"A Patrulha de Orientação não tem nada a ver com o Judiciário e foi suspensa", disse Montazeri, relatou a agência estatal de notícias ISNA. "O Judiciário, claro, segue monitorando o comportamento da população."

A declaração faz um aceno aos manifestantes ?a onda de protestos alcançou magnitude sem precedentes desde a Revolução Islâmica de 1979?, mas não há, por ora, confirmação sobre a dissolução da polícia moral, subordinada ao Ministério do Interior e, segundo a imprensa local, fora da alçada de Montazeri. Tampouco não há sinalização de mudanças na lei que obriga o uso do hijab.

Após a declaração do procurador-geral, um ativista no Curdistão iraniano, que pediu anonimato por questões de segurança, disse à reportagem que o anúncio "não é uma vitória do movimento" do qual faz parte. Ele vê a divulgação da suspensão como propaganda para parecer que o governo está adotando reformas, mas, para o manifestante, o povo não quer reformas, e sim a abolição do regime.

As unidades da polícia moral são formadas por homens, que se vestem com uniformes verdes, e mulheres, que usam o chador preto ?véu que cobre todo o corpo, exceto o rosto. Refugiadas iranianas no Brasil contaram que toda mulher no país persa já passou pela temida fiscalização ao menos uma vez.

O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica. A lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independentemente da religião, devem cobrir os cabelos e usar roupas largas em público.

Recentemente, autoridades iranianas avisaram que estavam analisando possíveis mudanças na lei que torna o uso do véu obrigatório. Neste sábado (3), em uma conferência na capital Teerã, o presidente do Irã, o ultraconservador Ebrahim Raisi, afirmou que a Constituição do país "tem valores e princípios sólidos e imutáveis", mas que a aplicação e a fiscalização dos métodos podem ser alterados".

Raisi, assim como outros líderes do regime iraniano, é alvo de protestos que desafiam a teocracia do Irã desde a morte de Amini, curda de 22 anos acusada de violar o código de vestimenta que exige das mulheres o uso correto do véu islâmico em público ?autoridades dizem que ela tinha problemas de saúde, o que teria provocado a morte, mas a família da jovem afirma que ela foi agredida enquanto estava detida.

O episódio provocou protestos em massa. Segundo um site alinhado à Guarda Revolucionária, o comandante da divisão aeroespacial das forças paramilitares, Amir Ali Hajizadeh, admitiu que mais de 300 pessoas morreram nas manifestações. Pela contagem de entidades de direitos humanos que monitoram a situação no país, porém, os números oficiais são subdimensionados. A ONG Direitos Humanos no Irã estima que mais de 450 manifestantes e 60 agentes foram mortos desde o início dos atos.

Diante da escalada de violência, o governo dos EUA anunciou sanções a líderes e integrantes da polícia moral iraniana. Nos atos, em sua maioria liderados por mulheres e estudantes, os manifestantes entoam gritos como "mulher, vida, liberdade" e criticam a repressão e a censura. Também desafiam o regime ao queimar os hijabs ou cortar os cabelos publicamente. Os atos foram registrados no Irã e também em dezenas de cidades no exterior.

Outras demandas comuns nos ato são o fim da corrupção e mudanças na forma de governo. No mês passado, manifestantes incendiaram a casa onde nasceu fundador da república islâmica no país, o aiatolá Ruhollah Khomeini. O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, também é alvo dos protestos. Antes mesmo da morte de Mahsa, vídeos da polícia moral arrastando mulheres para dentro de vans e as levando à força para centros de reeducação provocaram indignação entre os iranianos.

Diante das manifestações recentes, a União do Povo Islâmico do Irã, principal legenda reformista do país, pediu a flexibilização da lei que obriga o uso do hijab. A sigla, formada por aliados do ex-presidente Mohamed Khatami, pediu às autoridades que preparassem "os elementos legais para a anulação da lei".

A proposta, contudo, é rechaçada por Raisi. Em julho, ele já havia pedido a "todas as instituições estatais" que aumentassem a fiscalização do uso do véu. "Os inimigos do Irã e do islã querem minar os valores culturais e religiosos da sociedade espalhando a corrupção", disse à época. De acordo com a agência de notícias Reuters, porém, a presença da polícia moral nas ruas se tornou menos frequente nos últimos dias. Manifestantes dizem que a diminuição do efetivo é uma tática do regime para arrefecer os protestos.

Para os próximos dias, os manifestantes organizam uma greve geral e um novo protesto na praça Azadi (Liberdade), uma das principais de Teerã. A manifestação está marcada para acontecer na quarta-feira (7). No mesmo dia, Raisi deve discursar para estudantes.