Haddad teve participação crescente na discussão da PEC
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Com a missão de preservar na Câmara o prazo e os valores aprovados pelos senadores para os gastos extras no ano que vem, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, envolveu-se pessoalmente na negociação com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O texto da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Gastança aprovado no Senado amplia em R$ 168 bilhões anuais o Orçamento do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023 e 2024, além de abrir caminho para outras possibilidades de gastos. Deputados pressionam por uma redução dos atuais dois anos para apenas um ano para a possibilidade de Orçamento ampliado e por um corte de cerca de R$ 10 bilhões no valor permitido fora do teto de gastos.
Desde que ingressou no grupo de transição da economia, no final de novembro, Haddad vem acompanhando a tramitação do texto. Sua participação nas negociações foi crescente, até chegar à discussão ativa de pontos centrais do texto aprovado no Senado.
Nos debates com a Câmara, ele já se reuniu duas vezes com Lira e uma terceira reunião é prevista. O presidente da Câmara, porém, começou a semana consultando lideranças da Casa para medir o clima em relação ao texto.
Inicialmente, a PEC tendia a ser votada nesta quarta-feira (14). No entanto, Lira sinalizou que a votação pode ficar para a semana que vem.
Além do prazo e do total de gastos extra-teto, estão sob ameaça dos deputados trechos incluídos pelos senadores --como o dispositivo que permite que recursos esquecidos nas contas do PIS/Pasep sejam usados para bancar investimentos fora do teto de gastos --o que, segundo Haddad falou nesta quarta (14), foi um pedido feito pelo atual governo.
Segundo a Caixa Econômica Federal, eram R$ 24,6 bilhões em cotas do PIS/Pasep que poderiam ser sacados por 10,6 milhões de pessoas na atualização feita em agosto.
Outro trecho é o que retira do teto de gastos os financiamentos de organismos internacionais, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), sob o argumento de que são destinados a projetos de melhoria da produtividade e da eficiência da economia, como os de infraestrutura.
Esses pontos devem ser intensamente debatidos, e deputados contrários a eles pretendem usar as chamadas emendas supressivas --em que trechos são apenas retirados, o que diminui as chances de o texto voltar ao Senado (se não houver mudança de mérito com a retirada, a proposta não precisa voltar à Casa anterior).
Com apoio de Lira, os parlamentares também querem aguardar o julgamento que trata da constitucionalidade das emendas de relator. O tema voltou a ser debatido nesta quarta no STF (Supremo Tribunal Federal). A presidente do STF, Rosa Weber, votou por vedar o uso das emendas para atender a solicitações de parlamentares ou de pessoas externas ao Congresso. A corte retomará o julgamento nesta quinta (15) com o voto do ministro André Mendonça.
Esse contexto deixa a negociação política mais intrincada na Câmara. A emenda de relator é usada como moeda de troca nas negociações políticas entre Planalto e Congresso, e o desfecho no Judiciário pode afetar a tramitação da PEC no Legislativo (já que Lula foi bastante enfático durante a campanha contra o instrumento, o que no entender do entorno de Lira pode ter estimulado uma decisão desfavorável por parte do STF).
A participação de Haddad nas articulações da PEC veio depois do convite para o ministério feito por Lula, durante a COP 27, no Egito. Haddad diz que, na ocasião, o presidente eleito pediu que ele começasse a se inteirar das questões econômicas.
Envolvimento na PEC começou após saber que ocuparia Fazenda No Senado, Haddad manteve contatos constantes especialmente com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. No domingo (4) anterior à votação, chegou a participar de jantar na casa do senador.
Segundo interlocutores, apesar de Haddad não ter sido o protagonista da articulação da PEC, foi consultado e participou das discussões.
Um dos pontos decisivos que contou com a atuação de Haddad foi a inclusão de um dispositivo que obriga o governo eleito a encaminhar uma nova proposta de arcabouço fiscal até 31 de agosto de 2023.
A proposta já estava em discussão, mas, segundo pessoas envolvidas nas negociações, o dispositivo não teria entrado na versão final do texto sem o aval do futuro ministro -a quem caberá formular e propor a nova regra.
Outro item crucial foi a redução do total de gastos, que ocorreu na reta final da tramitação do texto no Senado. Haddad manteve interlocução com o ex-governador e senador eleito Wellington Dias (PT-PI) e o senador Jacques Wagner (PT-BA), que deu sinal verde para a retirada de R$ 30 bilhões da proposta, reduzindo o valor para R$ 145 bilhões com apoio do futuro ministro.
No último domingo (11), o futuro ministro da Fazenda estava na reunião com Lula e o relator geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), para bater o martelo sobre a distribuição dos recursos liberados pela PEC entre os ministérios.
Em linhas gerais, a PEC que chegou à Câmara prevê uma expansão no teto da ordem de R$ 145 bilhões em 2023 e 2024 para garantir o pagamento de um Auxílio Brasil (que voltará a ser chamado de Bolsa Família) de R$ 600 e mais um adicional de R$ 150 por criança com até seis anos, além de elevar o orçamento de várias pastas. Inicialmente, a proposta autorizava R$ 175 bilhões em gastos extras.
O grupo de economistas já havia avisado a Haddad e a Lula que um adicional entre R$ 135 bilhões e R$ 150 bilhões poderia acomodar as demandas iniciais do governo, como o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida e o Farmácia Popular.
Nas conversas internas, Haddad demonstrou apoio à ideia de manter a "neutralidade do gasto", isto é, manter a despesa como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) em patamar relativamente estável em relação ao observado em 2022.
A cifra de R$ 145 bilhões cumpre esse preceito, nas avaliações da transição. Mas o texto também liberou outros R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de receitas extraordinárias, além de prever o uso de R$ 24 bilhões do PIS/Pasep para investimentos, e de tirar do teto gastos de instituições públicas de ensino bancados por receita própria e doações para a área ambiental que passam pelo Executivo.