Do Bom Retiro à Oscar Freire, comércio registra Natal fraco

Por DANIELE MADUREIRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nilda Consolação da Silva e Maria Rezende são contemporâneas. A primeira nasceu em 1948, e a segunda, em 1949, ambas em São Paulo. Testemunharam muitos movimentos culturais e políticos, avanços tecnológicos e crises econômicas. Mas nada se compara ao que assistem hoje, a partir de ângulos diferentes: a crise social da capital paulista.

Nilda como dona de uma barraca de cachorro-quente em uma das esquinas da rua José Paulino, no Bom Retiro, um dos principais polos de comércio popular de São Paulo, e Maria como uma rica dona de casa do interior paulista, que visita a capital para fazer compras na rua Oscar Freire, nos Jardins, endereço de algumas das lojas mais caras da cidade.

Nos centros de compras, que deveriam estar lotados às vésperas do Natal, faltam sacolas e sobram pedintes e dependentes químicos, conforme apurou a reportagem da Folha. A alta dos preços é uma reclamação comum a ambos os endereços, mas está longe de ser a única.

"Estou aqui desde 1976, há 46 anos no mesmo lugar com o meu carrinho. Até os anos 1990 foi muito bom, a gente ganhava muito dinheiro, nem dava para ver o chão, de tanta gente andando aqui", diz Nilda. Ao longo dos anos, o movimento começou a diminuir. No primeiro ano de pandemia, foi preciso fechar tudo e houve prejuízo.

"Mas agora, que era o momento de retomar, a gente vê o movimento fraco demais. Não é só porque as pessoas estão com menos dinheiro: elas têm medo de vir para cá por causa da cracolândia", diz a comerciante, lembrando que em maio deste ano a Prefeitura de São Paulo desencadeou uma operação para desmantelar a "nova cracolândia" instalada na praça Princesa Isabel, o que dispersou os usuários de drogas para diversos pontos na região central da capital, causando medo aos moradores e prejuízo aos comerciantes.

"Se você dá comida, eles vendem para comprar droga. Se dá dinheiro, eles compram droga. É muita gente nova desocupada", diz Nilda. Viúva, ela trabalha sozinha depois que as três filhas se formaram.

"Estou impressionadíssima com a quantidade de pedintes", diz Maria Rezende, consumidora dos Jardins.

"Tem gente que você não imagina que vai chegar em você e vai pedir... Mas chega. Estou aqui há meia hora e já fui abordada várias vezes", afirma a dona de casa, que nasceu em São Paulo, mas mora no interior, em Ribeirão Preto. Estava na Oscar Freire em busca de um presente "diferente e especial" para o marido.

"Sempre que venho aqui [para São Paulo], gosto de passear, fazer compras. Mas hoje não está tão gostoso, fui abordada demais [por pedintes]."

A reportagem esteve na quinta-feira (22) na Oscar Freire para conferir o movimento das compras de Natal e conversou com consumidores. Em três ocasiões, consumidores e a própria reportagem foram abordados com pedidos de esmolas. A vendedora de uma das lojas, que preferiu não se identificar, diz que o movimento está fraco na região e que os pedintes são cada vez mais frequentes.

A rua --que em 2006 passou por ampla reforma, da ordem de R$ 8,5 milhões, para enterrar a fiação elétrica, nivelar as calçadas e padronizar o mobiliário urbano, tornando o endereço mais próximo de centros de compra sofisticados da Europa e dos Estados Unidos-- hoje convive também com personagens comuns ao comércio popular, como ambulantes dos mais diversos produtos (de incenso a cachorro-quente) e carroceiros em busca de material para reciclagem.

Questionada pela reportagem, a Associação Comercial Jardins e Itaim (que tem entre seus membros grifes como Calvin Klein, John John, Brooksfield, Animale e Lez a Lez, além das joalherias Antonio Bernardo e Vivara) informou que "não há nenhuma correlação entre o aumento da mendicância na cidade de São Paulo, um problema urbano, e as vendas".

"Em 2022 houve um aumento do movimento em 35% em relação ao ano passado. Projetamos que 2023 será ainda melhor para o comércio e serviços do bairro", disse a associação, em nota. A instituição não respondeu se prevê aumento nas vendas de Natal neste ano.

Já a CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro reconhece que a dispersão da cracolândia neste ano serviu para afugentar os consumidores da região. "No Natal passado, havia restrições sanitárias e menos gente na rua", diz Luciano Silva Alves, diretor da CDL Bom Retiro. "Neste ano, era para ter mais movimento, mas o comércio está fraco: a Copa atrapalhou as vendas, e a dispersão da cracolândia assustou o pessoal que visita a região."

O vendedor Reginaldo Lucas Santana, 40, que tem uma banca de roupas na José Paulino, está desanimado. Além do aumento do preço dos tecidos --que passou de R$ 32 para R$ 70, em média--, a presença constante dos dependentes químicos atrapalhou as vendas. "Alguns dependentes acabam intimidando os clientes, que se sentem muito acuados, desprotegidos", diz.

Quem sai da estação da Luz, a mais próxima do Bom Retiro, já encontra os integrantes do fluxo da cracolândia na porta, diz Santana. "Os dois lados da rua estão tomados por eles", afirma Santana. "Muitos andam em grupo, o que aumenta a sensação de insegurança. Isso passa de boca em boca, e o Bom Retiro acaba ficando com essa imagem, de um lugar inseguro."

Para este ano, a previsão da CDL Bom Retiro é de queda de 5% nas vendas de Natal. "O fato de ser um ano eleitoral, com as pessoas inseguras em relação à economia no ano que vem, também prejudicou o consumo neste ano", afirma Alves.

De acordo com a CNC (Confederação Nacional do Comércio), o Natal deste ano deve movimentar R$ 65 bilhões, o que representa um aumento real (descontada a inflação) de 1,2%. Apesar de pouco significativo, é a primeira alta nas vendas depois de dois anos de queda. Mas o comércio ainda não atingiu o patamar pré-pandemia, de R$ 67,5 bilhões de 2019.

Embora a inflação tenha arrefecido e deva fechar 2022 abaixo dos 6,5%, o encarecimento do crédito persiste, assim como o alto endividamento das famílias, o que freia o consumo, segundo a CNC. Como consequência, a população se concentra na compra de itens básicos, como alimentação. O ramo de supermercados deve responder pela maior fatia do consumo no Natal, 38,6% (R$ 25,1 bilhões), diz a CNC.

Nas contas da Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers), deve haver uma alta nominal de 4% nas vendas dos shoppings neste fim de ano. A reportagem registrou estabelecimentos lotados na semana que antecede o Natal. Apesar do alto movimento, pouca euforia nas compras.

No shopping Center Norte, um dos mais populares da capital paulista, a decoração de Natal já rendeu uma visitação 1.400% superior à do ano passado. Em 2022, o tema são os filmes da Disney e Pixar, com participação de personagens de produções como "Monstros S.A". e "Toy Story". A presença junto ao Papai Noel também aumentou na comparação com o Natal passado: alta de 411%.