'A parte ruim é o pessoal que olha torto para quem vive do lixo'

Por DOUGLAS GAVRAS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há quatro anos, quando abandonou a rotina de marreteiro, como são chamados os ambulantes que trabalham sem autorização nos trens de São Paulo, Adilson César Alves, 52, nem imaginava que se tornaria carroceiro. Passando pela recuperação fraca da economia após 2015 e 2016 e pela crise provocada pela "Antes, a gente sempre encontrava rápido alguma coisa valiosa para vender em cooperativas e associações, mas agora é preciso garimpar cada vez mais. Desse trabalho dependem a minha mulher e um filho especial, é por eles que junto forças para sair de casa todos os dias, mas vejo cada vez mais moradores em situação de rua que veem nos recicláveis a única alternativa de sobrevivência", conta.

Para não ficar preso a uma cooperativa, ele juntou dinheiro para comprar uma carroça própria, por cerca de R$ 1.000. Ao pensar em que trabalho gostaria de fazer no futuro, Alves se entristece.

"Tenho um problema na vista, que acaba tornando difícil atuar em algumas profissões e a idade tem pesado cada vez mais, carregar o carrinho abarrotado de material pela cidade, por dez horas por dia, exige esforço. Mas a possibilidade de me aposentar é mais difícil do que encontrar um punhado de cobre para vender."

Ao ver a reportagem conversando com outros carroceiros, José Roberto Cicilinski, 52, se aproxima como se estivesse prestes a contar um segredo. Ansioso, ele pede para que seu nome seja registrado, na esperança de conseguir comprar uma carroça para trabalhar sem depender de pegar um veículo emprestado em uma ONG.

As carroças emprestadas costumam obrigar a venda para o dono do equipamento, que nem sempre paga o melhor preço.

"Conheço um rapaz, na favela do Moinho [região central de São Paulo] que vende uma por R$ 1.500. Parece até barato, mas não para quem só consegue tirar R$ 70 por dia." Morador de Guarujá, no litoral paulista, ele deixou a família para trás. Em São Paulo, viveu na rua por mais de uma vez e hoje divide um espaço emprestado por um ferro-velho no centro.

"O trabalho de carroceiro não é ruim. A parte boa é poder andar pela cidade inteira e colocar os pensamentos no lugar; a parte ruim é o pessoal que olha torto para quem vive do lixo."

Ao lado de um ponto de venda de reciclados em Pinheiros, o casal Luís Fernando, 48, e Priscila dos Santos Maciel, 41, mostra orgulhoso a carroça colorida que puxam pela zona oeste da cidade. Natural de Rio Claro (interior de São Paulo), ele conta que conseguiu construir um barraco com o dinheiro da reciclagem, que pode chegar a R$ 200 em um dia bom.

"Fui pintor de casas e nunca me faltou trabalho --só faltava liberdade. Quem vive de obra sabe que demora a receber, que o pintor é sempre a última pessoa da fila a conseguir ganhar dinheiro. E ainda depende de fazer parceria com um pedreiro que não te explore."

Como carroceiros, eles dizem que são movidos pela esperança. "A gente sai de casa e não tem dia ruim, sempre encontramos alguma coisa boa para vender", conta ela, com um sorriso largo no rosto. "Quando ele desanima, eu estou aqui para nos empurrar para frente."

O trabalho na rua não é duro apenas pelos 230 kg de material que eles chegam a carregar no carrinho ou pela incerteza da rotina de autônomos. Eles chegaram a ter duas carroças roubadas e decidiram parar de ir com o veículo para a região da Luz ou da avenida Paulista, que consideram mais perigosas. Construíram uma casinha sob uma ponte da marginal Pinheiros e resolveram focar em buscar recicláveis na zona oeste da cidade.

"Os veículos são muito disputados na rua, por isso não dá para deixar estacionado em qualquer lugar. Instalamos até retrovisores no carrinho, para facilitar o trabalho, e ele encanta todo mundo. É o nosso orgulho e não sentimos cansaço, apesar de ser um trabalho pesado", diz ele.

O carioca Márcio Teixeira Lima 47, cruza com sua carroça os prédios espelhados da região da Vila Olímpia, enquanto busca por um ferro-velho local. Com uma mulher e um enteado que dependem do serviço, ele não tem mais fim de semana. Deixa a favela de Paraisópolis e sai diariamente puxando o equipamento.

"Cheguei a trabalhar como auxiliar de limpeza em uma empresa por um ano e três meses, mas não gostava. Parecia que o dia do pagamento não chegava nunca e, para quem tem família, é importante ter um pouco de dinheiro na mão todo dia."

Carregando fardos de papelão, latinhas de metal e uma louça sanitária na carroça, ele diz que tem um olho bom para encontrar material que pode render um pouco mais de dinheiro. "A parte boa disto aqui é que a gente se sente útil, a cidade fica melhor e mais limpa com o nosso trabalho. Ainda somos um pouco invisíveis, mas acho que está mudando", afirma.