Economistas se rebelam contra mudança em ranking de revistas científicas

Por FERNANDA BRIGATTI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A nova lista de periódicos científicos usada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) colocou, segundo pesquisadores, no mesmo nível de importância prestigiosas revistas internacionais de economia e publicações regionais pequenas e de menor impacto.

A mudança gerou revolta na área. O Qualis, sistema que atribui pesos às publicações, foi divulgado há uma semana e, na economia, já é alvo de um abaixo-assinado e de manifestações públicas de repúdio. Em pouco mais de 24 horas no ar, a mobilização online passou de 500 assinaturas.

A petição já foi assinada por pesquisadores como Luciano Nakabashi, presidente da Anpec (Associação Nacional de Pós-graduação em Economia), Francisco Ferreira, da LSE (London School of Economics), Mayara Paixão, de Princeton (EUA), Naércio Menezes e Laura Karpuska, do Insper, Daniel Cajueiro, da UnB, Leonardo Monasterio, do Ipea, Renato Colistete, da USP, e Joana Monteiro, da FGV (Fundação Getulio Vargas).

A publicação de artigos elaborados por pesquisadores em revistas é um dos critérios usados para avaliação de programas de pós-graduação aos quais eles estão vinculados, o que tem impacto nos recursos recebidos pelos departamentos.

Essas classificações também são importantes para jovens pesquisadores, porque servem de referência em processos seletivos e bolsas.

O Qualis classifica diversos periódicos de uma área de conhecimento (existem Qualis em 49 segmentos), que variam de A1 (melhor) a C (pior). Quanto maior a nota de uma revista, mais difícil é ter um trabalho publicado por ela.

O que a atual lista faz, segundo pesquisadores, é inverter essa lógica. Ao nivelar publicações de diferentes pesos, a Capes estaria desestimulando a busca por revistas de maior impacto e de alcance internacional.

Um exemplo desse nivelamento é a classificação atribuída a publicações como a Econometrica e a American Economic Review, ambas A1, e que dividem o espaço com a Revista de Economia e Sociologia Rural, os Anais do Museu Paulista e a Applied Clay Science (periódico dedicado às pesquisas com argila e outros minerais).

A Capes foi procurada por email e por telefone, mas não respondeu.

Em um ranking internacional de publicações acadêmicas de economia, o Ideas/RePEC (Research Papers in Economics), a Revista de Economia e Sociologia Rural aparece em 2.058º lugar; Econometrica está em 1º, e o American Economic Review, em 2º.

"Uma revista como a American Economic Review, uma das mais importantes do mundo, tem a mesma pontuação de revistas nacionais que são importantes, mas que não têm a mesma dimensão", diz o professor da Universidade de Brasília Daniel Cajueiro.

"O impacto de uma publicação em uma revista internacional é de mais de cem vezes em relação à melhor revista nacional."

Um pesquisador leva até cinco anos para conseguir publicar um trabalho em revistas como a Econometrica, de alcance internacional, nos quais o nível de exigência e de relevância da pesquisa é alto. Com o nivelamento, um pesquisador que tenha feito duas publicações em revistas nacionais de menor alcance poderia ser melhor avaliado do que outro que tenha conseguido levar seu artigo a um "journal" cobiçado.

"Órgãos do governo e universidades usam o Qualis como critério, existem incentivos financeiros, diretamente no salário, que dependem disso. E se você bagunça isso, fica uma coisa de não se esforçar, porque é melhor publicar em periódicos não tão relevantes, mas que pontuem mais", diz o pesquisador do Ipea Leonardo Monasterio, que é professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que concede bolsas de pesquisa, também usa o Qualis para avaliar a qualidade da produção de um pesquisador. "A régua passa a apontar na direção errada", diz Cajueiro, que integra o conselho.

Nas redes socais, economistas apontam outras excentricidades da lista divulgada em dezembro, como as avaliações A1 para periódicos como Experimental Dermatology, Wine Economics ou Estudos de Religião -tudo no Qualis de economia.

"Para quem é de uma universidade pública, o salário já não sobe por mérito, não há qualquer incentivo monetário individual para se publicar bem", escreveu, no Twitter, o pesquisador Breno Sampaio, do programa de pós-graduação em economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

"O Qualis, ou ranking dos programas, é onde muitos se agarram com o objetivo de deixar um legado e, ao mesmo tempo, estudar problemas importantes."

Em outro caso, o editor do Boletim de Economia e Política Internacional do Ipea (Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada), André Pineli, considerou "surreal" que a publicação tenha recebido classificação superior a outras duas revistas do instituto, a Pesquisa e Planejamento Econômico e a Planejamento e Política Pública.

A lista do Qualis de economia e de outras áreas pode ser acessada neste link.

Segundo o relatório divulgado pela Capes, "entende-se que os principais periódicos nacionais da área fizeram um esforço no sentido da internacionalização e da busca de alcançar parâmetros de eficiência editorial alinhados com as melhores tendências internacionais".

Em outro momento, o comitê avaliador diz que a posição favorável ao modelo aprovado não foi consensual e que um dos pesquisadores do grupo entendeu que "alterações em estratos e nas respectivas notas dos periódicos poderiam criar incentivos opostos, particularmente o viés de produção direcionada para veículos com piores classificações em rankings internacionais".

Ele considerou que o Qualis precisava considerar os riscos "muito mais altos" para pesquisadores jovens que decidam se dedicar a pesquisas com mais chances de divulgação em periódicos de maior destaque internacional.

Para a comissão, porém, "os mecanismos de diferenciação introduzidos no passado não seriam mais necessários diante do amadurecimento da área e do próprio processo de avaliação, que agora enfatiza mais a formação de recursos humanos e os impactos sociais e as inovações introduzidas pelos programas em consonância com os seus respectivos perfis".