Recuperação judicial, tutela, arbitragem, entenda o vocabulário da crise da Americanas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Até agora, os analistas são unânimes ao dizer que os acionistas minoritários são as principais vítimas das inconsistências contábeis encontradas na Americanas. Segundo advogados, o caminho para um eventual ressarcimento para quem tem ação da varejista é bastante difícil e longo.
Segundo os especialistas, a maior participação de pessoas físicas no mercado de ações no Brasil é muito recente, principalmente quando comparada ao cenário encontrado nos Estados Unidos.
"Não é muito comum ter ações judiciais que tratem de prejuízo para acionistas no Brasil, e isso dificulta a formação de uma jurisprudência", diz Thomaz Luiz Sant'Ana, sócio do escritório PGLaw.
Por conta dessa dificuldade, o entendimento da Justiça brasileira, em geral, é de que os acionistas minoritários são vítimas indiretas. "Aqui, o entendimento que temos até agora é que a própria empresa é a principal vítima em um caso como o da Americanas", afirma Marcos Sader, sócio do i2a Advogados.
Com esse entendimento, a Americanas teria que pedir ressarcimento aos responsáveis diretos pela inconsistência contábil, o que poderia gerar uma compensação financeira e recuperar, pelo menos em parte, o valor das ações, segundo Sader. Indiretamente, os acionistas seriam beneficiados pela alta do papel.
O QUE OS MINORITÁRIOS PODEM FAZER?
Marcos Sader, da i2a Advogados, explica que os acionistas podem pedir uma arbitragem na B3, alternativa que custa caro e necessitaria da união de vários minoritários, algo difícil de viabilizar. Outro caminho é uma ação civil pública, e o Instituto Brasileiro de Cidadania (Abraci) já abriu uma no Rio de Janeiro, pedindo compensação por danos morais e materiais aos acionistas.
Nesse sentido, a legislação dos Estados Unidos é mais clara. "No Brasil, não temos regras claras sobre ações coletivas de minoritários", diz Silvia Rodrigues Pachikoski, sócia do escritório L.O. Baptista. Ela explica que por lá, quando há omissão de informações ou algum tipo de fraude, os acionistas podem entrar com uma ação coletiva diretamente contra a companhia. Escritórios nos EUA já preparam uma iniciativa nesse sentido contra a Americanas.
O QUE SIGNIFICA A TUTELA CAUTELAR APRESENTADA PELAS AMERICANAS?
A tutela cautelar é uma medida de proteção contra uma possível execução antecipada de dívidas pelos credores, por conta de alguma irregularidade na empresa. No caso da Americanas, a inconsistência contábil poderia motivar esse movimento.
Um advogado que falou sobre o assunto em condição de anonimato disse que, provavelmente, a medida cautelar apresentada pela Americanas na última sexta-feira (13) já estava pronta, pois a varejista já sabia que o BTG Pactual pediria a antecipação de vencimentos.
O QUE É RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
A recuperação judicial, que já está sendo preparada pela Americanas, é um pedido feito à Justiça que, na prática, impede que dívidas sejam cobradas e permite que a empresa apresente um plano para pagar seus credores e continuar operando.
Foi o caso de empresas como Oi e Odebrecht (hoje Novonor). Segundo um advogado que pediu anonimato para falar sobre o tema, o prazo legal para que uma empresa apresente o planto após o pedido é de 60 dias.
Mas geralmente, este plano é muito preliminar, e não apresenta os pontos mais importantes para os credores. Um plano mais elaborado pode sair em quatro meses ou mais, a depender das negociações entre as partes.
O QUE É ARBITRAGEM?
A arbitragem é uma alternativa de negociação que pode estar prevista em contratos com credores, em caso de problemas verificados por uma das partes. É o caso da relação entre BTG Pactual e Americanas.
No contrato, está previsto inclusive o local onde será realizada a arbitragem, se necessária. No caso, o contrato entre BTG e Americanas prevê arbitragem no Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá, localizado em São Paulo.
Segundo uma fonte, a arbitragem conta sempre com representantes das duas partes, e pode ter um ou três árbitros durante as negociações, que serão responsáveis pela decisão final.
COMO A CVM ATUA NESTE CASO?
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) já abriu três processos para averiguar a atuação dos maiores acionistas, administradores e diretores da Americanas no caso. Uma das apurações a serem feitas é a venda de ações por parte de diretores durante o segundo semestre de 2022.
Marcos Sader, do i2a Advogados, diz que a CVM poderá punir as pessoas envolvidas e a própria empresa caso seja comprovada má-fé no caso.
"Não necessariamente a venda de ações está ligada às inconsistências contábeis. Os diretores podem ter pensado que, com a entrada de um novo presidente a partir de janeiro, não ficariam na empresa, e resolveram se desfazer de seus papéis", afirma Sader.
As punições da CVM envolvem multas aos envolvidos, mas podem chegar também ao banimento de atuação em companhias de capital aberto, em caso de indícios de venda de ações por informação privilegiada.
O QUE SIGNIFICA A DISCUSSÃO SOBRE COMPETÊNCIA DA VARA EMPRESARIAL?
Uma das alegações apresentadas pelo BTG Pactual nos recursos para derrubar a tutela cautelar da Americanas é que a Justiça do Rio de Janeiro não tem competência para julgar o tema. Mas por que isso é importante?
Segundo um advogado, isso acontece pela proximidade que os escritórios que representam cada parte tem com os juízes de cada localidade. No caso dos escritórios que representam a Americanas, eles têm sede no Rio de Janeiro, e por isso, resolveram pedir a proteção em uma Vara Empresarial da capital fluminense.
No caso do banco, segundo esta fonte, os advogados têm mais familiaridade com a Justiça de São Paulo, e por isso, querem que o processo seja analisado na capital paulista.