CVM questiona nove varejistas sobre contabilidade que gerou crise na Americanas

Por NICOLA PAMPLONA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) decidiu questionar empresas do setor de varejo sobre a contabilidade de dívidas para pagar fornecedores, conhecida como "risco sacado", problema que levou a Americanas a pedir recuperação judicial.

A Folha de S.Paulo apurou que nove empresas do setor estão sendo consultadas. O objetivo é saber se há riscos de que outros balanços estejam contaminados como o da Americanas, que não contabilizava todos os custos dessas dívidas.

Em nota, a CVM diz que, "sempre que necessário, realiza interações com os participantes do mercado de capitais a fim de solicitar informações importantes para trabalhos de análise e supervisão". "Neste sentido", continua, "encaminhou consulta a companhias abertas a respeito do tema".

Nas operações de "risco sacado", que não são exclusividade do setor varejista, as empresas se financiam com bancos para pagar mercadorias que compram de fornecedores.

A Americanas não identificava esses empréstimos como despesa financeira, e sim na conta fornecedores, uma classe diferente do balanço e que não altera o endividamento. Também não incluía em sua contabilidade os juros dessas operações, o que melhorava os seus resultados.

Críticos da empresa avaliam que a estratégia permitiu o pagamento de dividendos a acionistas e bônus a executivos acima dos valores liberados por suas concorrentes nos últimos anos.

O problema veio a público no dia 11 de janeiro, quando o então presidente da companhia, Sergio Rial, anunciou a descoberta de "inconsistências contábeis" no balanço da empresa, que geraram um rombo de R$ 20 bilhões.

O anúncio deu início a uma batalha judicial com bancos credores da Americanas e culminou com o pedido de recuperação judicial entregue à Justiça na última quinta (19) para tentar equacionar uma dívida de R$ 43 bilhões.

A contabilidade da empresa é alvo de um dos sete processos abertos pela CVM para investigar responsabilidades pela crise, que derrubou o valor das ações da empresa e prejudicou investidores de todos os portes.

Nele, a autarquia pede à administração da Americanas detalhes sobre as inconsistências contábeis e seus reais impactos nas finanças da companhia. Questiona ainda porque os administradores disseram que os impactos no caixa são "imateriais".

O órgão determina também que a empresa identifique os procedimentos adotados para corrigir o problema. O processo lista balanços divulgados pela companhia desde o início da década passada, mas foca os pedidos de informações de resultados desde 2017.

As investigações da CVM incluíram também os acionistas de referência da empresa, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, em apuração sobre eventual omissão de informações no primeiro comunicado sobre a crise.

Neste domingo (22), os três afirmaram em nota conjunta que jamais tiveram conhecimento e que nunca admitiriam quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia.

"Assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto", disseram os três acionistas, que juntos detêm 30,1% das ações da companhia.