Ministro chileno defende BC independente e se descola de líderes da região
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em uma carta publicada pela revista The Economist no último dia 3 de março, o ministro da Fazenda do Chile, Mario Marcel, defendeu a independência do banco central do país, descolando a postura do governo chileno da adotada por outros líderes da região, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Generalizar sobre questões econômicas ou políticas na América Latina é sempre um desafio, uma vez que esta é uma região particularmente heterogênea", escreve o ministro, que já presidiu o banco central chileno.
Ele, que participa de um governo de esquerda, comentava a reportagem "Lessons from the Land of High Inflation" ["Lições da Terra da Alta Inflação"], publicada pela revista em 18 de fevereiro, que discutia como os governos de esquerda da região têm questionado a independência de seus bancos centrais.
A reportagem que motivou a carta do ministro apontava que, com apenas sete semanas no cargo, o presidente Lula travou uma briga com a atual direção do Banco Central, ao chamar de "vergonhosa" a taxa básica de juros de 13,75% ao ano.
Na reportagem de fevereiro, a Economist relembra que Lula também declarou que a independência do Banco Central era absurda e sugeriu que o Senado ficasse de olho no presidente do BC, Roberto Campos Neto.
A publicação relaciona a postura de Lula à de outros líderes latino-americanos, como o mexicano Andrés Manuel López Obrador, que disse que o banco central mexicano também deveria impulsionar o crescimento e não apenas controlar a inflação.
"Embora os governos no Brasil tenham permitido que o BC operasse de forma bastante autônoma desde o retorno do país à democracia em 1985, o banco não recebeu formalmente o status de independente até 2021 sob o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro", destaca a revista.
As críticas de Lula geraram ruído no mercado financeiro e foram alvo de censura de analistas que defendem a autonomia do BC como uma conquista dos últimos anos.
Mas o presidente também tem sido apoiado em suas críticas por economistas de peso, como André Lara Resende, que criticam a atual política monetária. Em entrevista recente ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, Lara Resende disse que a taxa alta de juros, combinada com balanços negativos dos bancos, pode colocar o país em recessão.
Para a publicação, a independência do BC sofreu durante o governo Dilma Rousseff, que pressionou a instituição a afrouxar a política monetária.
"Gostaria de salientar que o governo chileno valoriza plenamente a independência de 33 anos do Banco Central do Chile", escreveu o ministro chileno em sua carta para a revista.
"Nem o nosso presidente, Gabriel Boric, nem qualquer outra autoridade governamental criticou as decisões de política monetária desde que o ciclo atual teve início, há cerca de 17 meses."
O Chile fechou o ano passado com uma inflação ao consumidor de 12,8%, a mais alta em 30 anos. Os juros atualmente são de 11,25%.
Segundo Marcel, o atual governo tem colaborado com o banco central na luta contra a inflação, articulando uma das políticas mais rigorosas do mundo, passando de um déficit global de 8% do PIB em 2021 (ainda sob o governo anterior, de direita) para um excedente de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022.
"Na minha opinião, apoiar bancos centrais independentes não é de todo alheio à política progressista, dado que a inflação é uma importante fonte de desigualdade econômica", conclui Marcel.
A reportagem original da Economist lembra, no entanto, que apesar de respeitar a independência da instituição no Chile, o presidente Boric apoiou, sem sucesso, mudanças constitucionais que tentavam expandir o mandato do banco central e enfraqueceriam a instituição.
O conselho do Banco Central do Chile é formado por cinco integrantes, que são apontados pelo presidente da República para um mandato de dez anos. O presidente do banco é nomeado diretamente pelo presidente da República, devendo ser sempre um dos cinco membros do conselho. O mandato é de cinco anos ou pelo tempo restante como diretor.
Desde 2022, ele é presidido por Rosanna Costa, que faz parte do conselho desde 2017 e a primeira mulher a comandar a instituição. Desde 1989, o banco é considerado autônomo. A lei orgânica foi aprovada no fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).