Política de preços dos combustíveis atual penaliza consumidor, dizem defensores de mudanças

Por NICOLA PAMPLONA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Defensores da mudança na política de preços da Petrobras argumentam que o modelo atual penaliza demais o consumidor e tem impacto até no PIB do país, ao repassar custos de importação e volatilidade internacional para os preços internos.

Como alternativas, apontam a possibilidade de retirar os custos de importação da formação dos preços e a adoção de mecanismos que amorteçam variações abruptas das cotações internacionais.

As propostas são acompanhadas com atenção pelo setor de petróleo, que alega que a prática de preços artificiais pode prejudicar distribuidoras regionais e o setor de etanol.

Na semana passada, em sua primeira entrevista após assumir a presidência da Petrobras, Jean-Paul Prates confirmou que a empresa mudará sua política de preços, mas ainda não deu detalhes de como será o novo modelo.

Ele adiantou, porém, que o preço de paridade de importação, conhecido como PPI, não será mais a única referência. Esse indicador simula quanto custaria para importar os combustíveis do principal mercado fornecedor, hoje os Estados Unidos.

"O PPI é uma abstração, uma referência", afirmou. A ideia é continuar acompanhando as cotações internacionais, mas sem considerar necessariamente os custos de importação dos produtos, já que cerca de 80% dos combustíveis consumidos no país sai de refinarias brasileiras.

A proposta já vinha sendo defendida por sindicatos de trabalhadores da estatal, que apoiaram a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tiveram vaga na equipe de transição para a área de energia.

"O Brasil vive um bom momento de estar se tornando um grande produtor de petróleo", diz Carla Ferreira, pesquisadora do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), que é ligado à FUP.

"Diferentemente de países de importadores, tem possibilidade de contar com esse petróleo para poder determinar seus preços sem dependência de importação", completa ela, lembrando que a Petrobras teve lucros recordes e pagou elevados dividendos nos últimos anos.

"O outro lado de ser uma estatal, que é a função social, foi atrofiado. Acho que a gente tem que partir desses elementos para entender o que a Petrobras pode fazer com a política de preços, porque ela afeta vários atores".

Visão parecida tem Bruno Moretti, economista e assessor legislativo ligado ao PT que foi indicado pelo governo para compor o conselho de administração da estatal.

Em artigo publicado na revista "Carta Capital" ele e o também economista Ricardo Carneiro dizem que o PPI "internaliza na economia brasileira a volatilidade de um mercado extremamente especulativo, além de elevar o patamar dos preços internos".

"A Petrobras tem baixos custos de produção, além de ser uma empresa integrada verticalmente, o que lhe permitiria abastecer o mercado com preços inferiores ao PPI, mantendo-se a capacidade de geração de caixa para fazer frente a seus passivos e aos investimentos necessários à ampliação do refino."

O PPI foi implantado na gestão Pedro Parente, ainda no governo Michel Temer, após um período de elevado prejuízo com o represamento dos preços dos combustíveis no governo Dilma Rousseff.

Em depoimento dado ao Ministério Público Federal, a ex-presidente da estatal, Graça Foster, disse que os reajustes eram determinados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vetou várias propostas de aumento durante a campanha de 2014.

Com o PPI, o governo Temer prometia maior transparência sobre os preços e fomentava a chegada de importadores privados, retirando da Petrobras o papel de garantir o abastecimento do mercado.

Para Prates, a política abre mercado para os concorrentes. "A Petrobras vai praticar preços competitivos do mercado nacional, do mercado dela, conforme ela achar que tem que ser para garantir sua fatia de mercado", afirmou na semana passada.

A mudança na política interna da companhia não deve ser a única solução, defendem Ferreira e Moretti. Ambos acham que o país precisa também de um fundo de estabilização de preços para amortecer variações abruptas.

Moretti argumenta que o mercado de petróleo passou a ser "financeirizado", com a atuação de especuladores que realizam com frequência "apostas unidirecionais (baixista ou altista), exacerbando a trajetória inicial de preços".

Ferreira diz que alternativas como um fundo ou um mecanismo tributário para absorver a escalada dos preços internacionais dariam mais tranquilidade ao mercado.

Co-autor de um estudo sobre o impacto da volatilidade do preço dos combustíveis sobre o PIB, o professor Adilson de Oliveira, do Instituto de Economia da UFRJ, defende que minimizar as volatilidades reduz o risco de investimentos no país.

"Com a volatilidade, pessoas que vão investir em atividades que têm o petróleo como insumo básico tendem a esperar antes de tomar a decisão", afirma. Para ele, a taxa sobre exportações de petróleo imposta pelo governo na semana passada é uma boa solução.

Ele argumenta que mesmo Estados Unidos e Europa lançaram mão de mecanismos para conter a alta dos preços após o início da Guerra na Ucrânia --o primeiro com o uso de estoques estratégicos e a segunda com subsídios aos consumidores.

No Brasil, o governo Jair Bolsonaro cortou impostos federais e estaduais, o que gerou impactos fiscais. A taxação das exportações, diz, garante recursos para os subsídios sem onerar os cofres públicos.

"É uma solução que me parece criativa e que atende o problema. E pode ser revogada quando o preço [internacional] seja estabilizado."

Para o setor de petróleo, medidas que descolem os preços internos do merca do internacional podem prejudicar tanto pequenas e médias distribuidoras, quando o setor sucroalcooleiro.

As primeiras, por não terem capacidade de diluir importações a preços mais caros em seu mix de produtos, como têm Vibra, Raízen e Ipiranga, que já assumiram para si parte da tarefa de garantir o suprimento com importações.

O segundo, porque compete com a gasolina e perde margens quando o derivado de petróleo está mais barato. No governo Dilma, o represamento de preços dos combustíveis gerou uma quebradeira generalizada em usinas do país.

"Fugir de uma maneira muito acirrada da referência de preços acaba causando distorções em outros setores da economia", argumenta Valéria Lima, diretora do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).

"Nossos combustíveis já têm parcela de biocombustíveis, que são feitos a partir de commodities que seguem o merca do internacional. Se tem temos um preço de fóssil no Brasil descolado, vai causar problema na cadeia do etanol e na cadeia do biodiesel."

Moretti não respondeu ao pedido de entrevista. A Petrobras não havia se manifestado até a publicação deste texto.