Regra fiscal com controle individual para diferentes despesas enfrenta resistência
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A ideia de criar metas individuais de gastos para diferentes tipos de despesa -como custeio da máquina pública, investimentos e até pessoal- enfrenta resistências nos debates do governo sobre a nova regra fiscal.
O modelo com metas separadas foi sugerido pelo grupo de economistas da transição em relatório entregue ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para permitir um controle mais rigoroso ou um crescimento mais flexível de determinadas despesas, de acordo com a categoria.
Despesas com a folha do funcionalismo, por exemplo, poderiam ter uma trava própria, enquanto gastos com obras públicas teriam uma meta à parte.
O modelo, no entanto, ainda desperta discussões. Uma ala do governo vê na ideia um fator de engessamento do Orçamento.
De acordo com relatos feitos à reportagem, membros do governo defendem uma regra focada no gasto global -o que traria mais flexibilidade e evitaria o agravamento da chamada rigidez orçamentária (quando o governo tem pouca margem de manobra para o uso dos recursos).
Dessa forma, havendo espaço fiscal, o governo poderia em determinado ano alocar mais recursos em investimentos, sem ficar preso a uma meta específica de gasto que cresce conforme uma regra pré-determinada.
Os detalhes da nova regra fiscal ainda não são conhecidos, mas integrantes do Ministério da Fazenda já deram indicações públicas de que a proposta deve conter mecanismos para controlar a velocidade de crescimento dos gastos.
Em janeiro, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, afirmou que o controle das despesas é o melhor instrumento para administrar a trajetória da dívida pública.
Mello afirmou na ocasião que o próximo arcabouço fiscal brasileiro tem de dialogar com as novas tendências globais e ser uma regra que aponte a trajetória de algumas variáveis centrais, entre elas a dívida pública. Segundo ele, também seria necessário outro instrumento para lidar com isso, o resultado primário.
"E que tenha uma regra que trabalhe com um horizonte de gasto público, que é o que o governo tem mais controle. Ele tem algum sobre receita, mas tem mais controle sobre o gasto", afirmou há menos de dois meses.
Seja qual for o formato final do texto, representantes do governo afirmam que a regra para despesas será mais flexível que o atual teto de gastos --que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. Por isso, a busca por mais receitas será um componente importante da estabilidade fiscal que o Ministério da Fazenda diz buscar.
O governo afirma que a regra fiscal permitirá alcançar o objetivo de zerar o déficit ainda em 2024. A meta é vista como desafiadora, pois seu cumprimento depende não só da proposta, mas de outras variáveis econômicas que, no momento, assumem um viés desfavorável -como uma possível crise no sistema financeiro e seu impacto para a economia global.
Por outro lado, há a interpretação no governo de que a própria apresentação de uma regra fiscal, que por definição significa maior restrição, por um governo de esquerda, visto como mais propenso a aumento de gastos, pode se tornar um fator de surpresa positiva para o mercado e o setor produtivo. Se essa leitura de fato prevalecer, a economia e a arrecadação poderiam se beneficiar desses ganhos.
O Ministério da Fazenda pretende apresentar sua proposta de regra fiscal de forma detalhada ao Palácio do Planalto nesta sexta-feira (17). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro Fernando Haddad já tiveram uma primeira conversa sobre a regra, e o chefe do Executivo pretende chegar a um modelo final até semana que vem.
O objetivo central da regra, segundo o governo, é não apenas recuperar a sustentabilidade fiscal (a ser medida sobretudo pelo nível de endividamento público), mas também permitir financiar adequadamente as políticas públicas -além de retomar a credibilidade da política macroeconômica, com previsibilidade e transparência, dizem integrantes do governo.
Um dos pontos mais sensíveis da discussão é o convencimento da classe política, já que o próprio PT tem sido crítico a propostas de maior restrição fiscal.