Metaverso é mercado trilionário, mas não se sabe qual cara terá
BARCELONA, ESPANHA (FOLHAPRESS) - Com o ChatGPT aparecendo no fim do ano passado, a inteligência artificial (IA) roubou parte dos holofotes dedicados ao metaverso. Os temas dominaram as palestras e painéis do Mobile World Congress (MWC), um dos principais eventos de tecnologia do mundo, realizado entre 27/2 e 2/3/23 em Barcelona.
Há um entrelaçamento entre ambos. A IA é uma das tecnologias fundamentais para a existência de aplicações de metaverso. Para que um óculos consiga ler o ambiente e gerar uma visualização de um objeto virtual como se estivesse na sala, por exemplo, precisa dela para analisar o espaço. A lógica lembra os filtros no Instagram reconhecendo um rosto para colocar orelhas de cachorro.
Há, também, uma diferença fundamental. A inteligência artificial aparece em várias aplicações práticas, como robôs de conversa, reconhecimento de imagens, prevenção de fraude, etc. Enquanto isso, o metaverso ainda precisa mostrar a que veio e se tornar mais íntimo do público, uma confusão que leva mesmo os especialistas nos palcos do MWC a não terem muita clareza e uniformidade em uma definição.
Um ponto mais consensual é que o metaverso vai movimentar muito dinheiro. Mesmo que ele seja ainda tido como algo para um futuro que ninguém soube dizer ao certo quando vai chegar, tampouco qual cara vai ter.
No geral, as definições passam por uma versão mais imersiva de consumir conteúdo online, com características como a criação de mundos virtuais, por vezes interagindo com o real.
A ideia é ampla o suficiente para incluir aquelas aplicações extremamente imersivas, como jogar usando óculos e esteiras especiais para "entrar" no universo do game, àquelas que podem ser acessadas pela tela do celular, como um modelo de loja virtual estilo uma maquete.
No meio do bolo, estão também as interações entre real e digital, quando um objeto virtual passa a "aparecer" na imagem de câmeras no mundo físico.
"É uma versão 3D da internet", simplifica Thomas Dexmier, responsável pelo braço da HTC Vive em Austrália e Nova Zelândia. A empresa, que se destacou com smartphones na década passada, se dedica a produzir produtos de realidade virtual, como óculos. "O metaverso é melhor com esses dispositivos, mas não necessariamente precisa deles."
Para Nicole Lazzaro, CEO da Xeodesign, que cria games e produtos com experiências imersivas, trata-se de substituir ideias já enraizadas como janelas, mouses e ícones por uma exploração mais natural, ao usar avatares, e até mesmo gestos com as mãos, para interagir com objetos virtuais.
"É mais divertido rolar a tela para baixo numa rede social ou ter um mundo inteiro para explorar?", questiona Lazzaro, apontando simpatizar com a segunda opção.
A dificuldade, no entanto, está justamente em ter esses mundos para explorar. Faltam exemplos práticos e os usuários para criá-los.
Nesse quesito, os casos descritos no MWC de 2022 e os de 2023 pouco diferem, com games que criam um universo próprio, como Fortnite e Roblox, sendo frequentemente citados. Outros incluem marcas que fizeram versões digitais de seus produtos, ou ações de marketing em plataformas digitais com empresas criando mundos próprios para interagir com públicos bastante específicos.
"Se uma empresa entra agora no metaverso esperando ganhar dinheiro, talvez seja cedo demais. Eu sugeriria repensar a estratégia e focar nesse marketing de nicho para criar uma comunidade e, futuramente, conseguir vender algo para eles", afirmou Sebastien Borget, fundador da Sandbox, plataforma com espaços virtuais para que usuários (e marcas) construam seus próprios mundos 3D com games.
"Até tudo se tornar acessível com conteúdo o suficiente para justificar o uso, a adoção pelas massas será complicada", disse Borget.
Para chegar a esse patamar, avalia Tilo Bonow, investidor especializado em startups de tecnologia, precisa melhorar a qualidade de produtos como os óculos de realidade virtual. "São horríveis de usar", diz. Além disso, ele destaca que falta a tecnologia mostrar aos consumidores a que veio. "Tem que responder à pergunta 'o que eu ganho com isso?'".
Outro desafio está na interoperabilidade entre as plataformas. Se a ideia é criar avatares para representar as pessoas nos mundos virtuais, seria necessário criar os caminhos para que suas propriedades digitais sejam transportados de um sistema para outro. Do contrário, um acessório comprado em um universo ficaria restrito a ele e precisaria ser adquirido novamente para aparecer noutro lugar.
"Hoje, funcionam como ilhas desconectadas", diz Markus Peuler, CEO da Nexr Technologies, especializada em criar ambientes virtuais.
A dificuldade na adoção aparece nos números. Uma das principais plataformas da área, o Horizon Worlds da Meta (dona do Facebook) atingiu 300 mil usuários em fevereiro do ano passado, três meses após seu lançamento, mas depois patinou. Em seu teste público mais recente, em agosto do ano passado, o Sandbox registrou 360 mil.
Para comparação, o ChatGPT bateu 100 milhões de usuários cerca de dois meses após o seu lançamento.
Mesmo com a incerteza, a expectativa é de crescimento tanto no uso quanto nas finanças. Previsão da consultoria Gartner estima que, até 2026, 25% das pessoas passarão pelo menos uma hora por dia no metaverso.
A consultoria PWC coloca esse mercado como valendo de US$ 8 a 13 trilhões (R$ 41 a 67 tri) até 2030. A McKinsey sugere a cifra mais conservadora de US$ 5 tri (R$ 26 tri) no mesmo período, citando que mais de US$ 120 bi (R$ 615 bi) foram despejados no setor em 2022 -desses, cerca de US$ 100 bi (R$ 515 bi) em fusões e aquisições de empresas.
Esse crescimento é associado a ideias de Web 3.0, que incluem o uso de criptomoedas para transações nas plataformas de metaverso e NFTs, uma espécie de ficha digital que marca a posse de algum bem.
A categoria dos NFTs ganhou destaque nos últimos anos ao indicar a propriedade de imagens virtuais, mas especialistas defendem outras aplicações para elas, principalmente em interações entre muito físico e digital. Pode servir para garantir autenticidade de um produto, ou então para fazer que algo comprado de verdade também exista no metaverso (para, por exemplo, um personagem usar um tênis igual ao do humano que o controla).
Com as poucas aplicações práticas, público limitado e um conceito que abrange muitas aplicações distintas, fica difícil prever o que virá para o metaverso. Há, ainda, uma grande percepção de entusiasmo -chamado de "hype"- com a área.
"Precisamos de um 'inverno' para que as melhores empresas possam despontar. Tem muito ruído no meio", diz Erik Huberman, CEO da Hawke Media, consultoria de marketing que assessora marcas em estratégias envolvendo essa digitalização.
Na área de tecnologia, os "invernos" se referem a épocas de baixa. A inteligência artificial, concebida na metade do século passado, passou por dois desses períodos antes dos anos 2000. Após quebras de expectativa em relação ao que a tecnologia poderia entregar, os investimentos na área minguaram. Voltou a ter destaque só na década passada.
Os especialistas frequentemente citam uma apresentação feita pela consultoria Gartner, batizada de "ciclo do hype". Nele, após uma tecnologia aparecer, ela passa por um pico de expectativas infladas, seguida por uma baixa causada por desilusão. Após esse período, volta a crescer conforme amadurece, até que pode ser realmente útil. O metaverso parece estar perto do auge da segunda etapa.