Quem tem debêntures da Americanas terá o mesmo tratamento conferido aos bancos no plano de recuperação judicial

Por DANIELE MADUREIRA E RENATO CARVALHO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando uma empresa busca capital para expansão, ela emite títulos de crédito e procura no mercado quem deseja comprá-los. Esses títulos são as debêntures, que funcionam como um empréstimo, cujas condições de pagamento, como prazo e juros, ficam previamente acordadas entre as partes ?empresa e debenturista.

No caso da Americanas, uma das maiores varejistas do país, que entrou em recuperação judicial em janeiro com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões, não é possível estimar quantas debêntures a empresa tinha no mercado. Mas os debenturistas apareceram indiretamente na lista de credores, pelo fato de os papéis estarem registrados no Deutsche Bank (R$ 5,2 bilhões) e no banco Votorantim (R$ 3,3 bilhões).

As emissões também aparecem no nome das empresas do grupo, como Ame Digital (R$ 975 milhões) e ST Importações (R$ 80,3 milhões).

Na noite de segunda-feira (20), a varejista entregou o seu plano de recuperação judicial e não fez no documento qualquer menção especial aos debenturistas. Conclui-se que eles terão o mesmo tratamento destinado aos credores quirografários, ou seja, os bancos.

Para os credores quirografários, foram apresentadas as seguintes condições: participar de leilão reverso em até 60 dias após homologação do plano (neste caso, leva o pagamento o credor que oferecer o maior desconto, acima de 70%); ou via parcela única em março de 2043, com desconto de 80% sobre o total da dívida.

Questionada pela reportagem se havia condições diferenciadas aos debenturistas, a Americanas informou, em nota, que para os credores financeiros (bancos, debenturistas ou detentores de títulos) interessados em monetizar parte da dívida, "que estejam dispostos a permanecer apostando na companhia, capitalizando uma parte de seus créditos concursais e trocando outra parcela por uma nova dívida de 5 anos e juros de 128% do CDI, o plano oferece um nível de desconto menor do que o ofertado a credores que não tenham interesse nesse relacionamento."

"Os credores financeiros têm como opção no plano o leilão reverso de dívidas, capitalização com recompra e dívida nova, e a dívida subordinada, com prazo maior. O deságio médio considerando as quatro modalidades atinge 45%", diz a nota.

"Os debenturistas ou donos de títulos podem ainda individualizar créditos coletivos, de forma que investidores individuais podem decidir pela tomada de crédito por leilão reverso, capitalização ou de forma subordinada", informou a varejista, ressaltando que segue em conversas com credores, incluindo debenturistas, para chegar a um acordo.

"Esse plano é um insulto", diz Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores). "Oferecer um haircut [corte na dívida] de 80% e pagamento para daqui 20 anos, praticamente sem juros, apenas com a correção pela TR [taxa referencial] é algo vergonhoso", afirma o executivo.

A Abradin foi convidada pela CVM (Comissão de Valores Imobiliários) para acompanhar as investigações acerca do escândalo contábil de R$ 20 bilhões que deu origem à crise na Americanas.

No mês passado, o escritório Felsberg Advogados foi contratado para representar debenturistas das Americanas na negociação com os principais acionistas da empresa ?o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O escritório representava debenturistas que têm entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões em dívidas.

"Agora pelo menos nós já temos um plano sobre o qual discutir, o que já é algum avanço", disse o advogado Thomas Benes Felsberg, sócio fundador do Felsberg Advogados, lembrando que a Americanas deixou praticamente todos os credores na classe 3, de quirografários, sem garantia.

"As dívidas com as demais classes, trabalhistas e micro e pequenas empresas, somam menos de R$ 200 milhões", afirma. O Felsberg também está sendo procurado por detentores de títulos de dívida, chamados de "bondholders", que somam cerca de R$ 6 bilhões junto à Americanas.

Para que o plano seja homologado, a varejista precisa entrar em acordo com 50% dos credores mais um. A princípio, os credores queriam que os principais acionistas injetassem ao menos R$ 15 bilhões ?agora, aceitam R$ 12 bilhões. O último aceno do trio de bilionários, uma capitalização de R$ 10 bilhões, é a que consta no plano.