Voo a R$ 200 não funcionará se outros tiverem que pagar mais, diz CEO da Azul

Por FÁBIO PUPO E JULIANNA SOFIA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente-executivo da Azul, John Rodgerson, afirma que o plano do governo para oferecer passagens aéreas a R$ 200 para determinados grupos pode fazer sentido desde que os demais passageiros não paguem a conta.

Ele defende, no entanto, que as tarifas aéreas consideradas elevadas atualmente sejam atacadas com um esforço mais amplo de redução de custos para as empresas -incluindo uma revisão da política de preços da Petrobras.

"Dizer que queremos uma tarifa mais baixa seria mentira", afirma à Folha de S.Paulo. "Quero uma tarifa que cubra nossos custos. E, se nossos custos ficarem mais baratos, é mais fácil ter [passagem] mais barata", afirma.

Ele diz que os valores atuais são impulsionados pelo preço do querosene de aviação e defende analisar os resultados da Petrobras para saber quem deve ser considerado culpado..

"Olhe nosso balanço e olhe o balanço da Petrobras. Quem é o vilão da história?", questiona. "Olhe no ano passado quanto eles ganharam e quanto eu perdi", afirma.

A Azul teve prejuízo de R$ 722 milhões em 2022, impactada pelo aumento de 112% do preço do combustível em relação a antes da Covid-19. Em comparação, a Petrobras teve no ano passado um lucro de R$ 188 bilhões -o maior na história das empresas brasileiras.

"Estou sendo cobrado porque cobro o preço da passagem. As pessoas não estão vendo que o preço do combustível dobrou para nós. Mas o custo da Petrobras dobrou? Não dobrou", afirmou

Ele diz que a estatal aplica uma política de preços sobre sua produção nacional que inclui valores com fretes marítimos e outros itens -como se o combustível fosse todo importado. A crítica é feita também pelo novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que já afirmou em diferentes ocasiões que pretende mudar a prática.

"Quando o preço do combustível cai, posso botar mais oferta no mercado", afirma Rodgerson. "Mas quando o custo é muito alto, eu restrinjo a oferta para ter uma demanda mais alta e um preço acima do nosso custo", diz.

Rodgerson diz que as conversas iniciais sobre o plano de passagens a R$ 200, anunciado sem muitos detalhes pelo ministro Márcio França (Transportes) neste mês e debatido em um grupo de trabalho com representantes das empresas e do governo, fazem sentido. Mas, afirma, ainda é preciso checar se o plano é viável na prática.

"A questão é como fazer isso de maneira que não seja como a meia-entrada no cinema, com as outras pessoas pagando mais caro por isso", afirma. "Tem que ter certeza que é viável e não subsidiado [pelos demais], porque [caso contrário] o público não vai gostar. Tem que ser uma coisa que funcione para todo mundo".

Ele sugere que a proposta atenda a um conjunto de diretrizes para ir adiante. Entre elas, que seja restrita a voos de baixa temporada, para pessoas que comprem com antecedência, voltada a assentos vazios e que seja usada por passageiros que não viajariam sem o programa.

As conversas em Brasília também incluem tentar convencer o Congresso a transformar em lei o corte tributário de PIS/Cofins para o setor feito no apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro (PL) por meio de uma MP (medida provisória).

Essa medida é vista por ele como mais importante do que a isenção de tributos federais sobre o querosene de aviação adotada em janeiro e que valerá por quatro meses. "Acho que o Congresso está assustado com os preços das passagens. Não estamos lucrando, estamos perdendo dinheiro", diz.

Na reforma tributária, ele demanda um tratamento diferenciado para o setor -na contramão do que defende o Ministério da Fazenda, que defende um texto o mais homogêneo possível e com o mínimo de exceções.

Ele cita entre os motivos para a brecha a concorrência internacional. "Tenho um voo que sai hoje à noite de São Paulo para Orlando", exemplifica. "Todos esses caras [concorrentes estrangeiros que disputam passageiros na rota] são subsidiados pelo governo deles, [e também] pagam juros mais baixos e combustível mais baixo", diz.

"Não quero subsídio do meu governo aqui, a única coisa que quero é concorrer de igual para igual", diz. "Então, na reforma tributária, nosso setor tem que ser pensando de forma diferente", afirma.

Segundo ele, hoje o brasileiro viaja de avião muito menos que os vizinhos da região devido aos altos custos. "O brasileiro voa um terço do que o chileno voa", diz, acrescentando que a discrepância ocorre em relação a países como Colômbia e México.

Para Rodgerson, as discussões sobre o projeto do trem-bala ligando São Paulo e Rio não faz parte da agenda do setor. Embora tenha potencial de aumentar a concorrência nas modalidades de transporte entre os dois estados -o que forçaria uma redução de tarifas aéreas, por exemplo--, o projeto é visto com ceticismo pelo executivo.

"Estou há 15 anos aqui [no Brasil] e há 15 anos ouço falar em projeto do trem-bala", afirma.