Brasil 'viveu muito tempo de blefe' e nova regra será cumprida, diz secretário do Tesouro

Por IDIANA TOMAZELLI

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu a nova regra fiscal proposta pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e disse que o desenho proposto evitará a repetição do processo de desgaste sofrido pelo teto de gastos --que foi mudado diversas vezes pela gestão anterior e pelo Congresso Nacional.

"O país viveu muito tempo de blefe, em que você promete aquilo que não vai ser cumprido e cria regras que parecem que vão resolver alguma coisa de uma forma absurda, [mas é] completamente inexequível. E depois o país não atende, você faz PECs [proposta de emenda à Constituição] em cima de PECs para poder alterar isso", disse Ceron em entrevista nesta quinta-feira (30).

Segundo ele, o novo arcabouço concilia o ideal de responsabilidade fiscal com alguma flexibilidade, para que cada governo possa fazer suas escolhas políticas, como quais despesas serão priorizadas ou reduzidas.

Isso significa que a nova regra terá um gatilho de ajuste ligado ao cumprimento da meta de resultado primário, como antecipou a Folha, mas não haverá uma lista específica de medidas que o governo de plantão deverá adotar para assegurar a contenção das despesas.

"É melhor fazer um arcabouço que pode lidar com diferentes escolhas", argumentou Ceron, negando que esse desenho torne a regra menos rígida.

Como antecipou a Folha, o governo propõe uma regra fiscal em que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos últimos 12 meses até o mês de junho -dado disponível no momento da elaboração do Orçamento, apresentado em agosto de cada ano.

Esse limite de gastos será combinado a uma meta de resultado primário com bandas de flutuação, para dar alguma margem de manobra ao governo caso haja frustração ou impulso atípico nas receitas.

Se mesmo com esse intervalo a meta for descumprida, o crescimento da despesa no ano seguinte ficará limitado a 50% da alta da receita. O percentual de 70% só será retomado quando o governo conseguir recolocar as contas do país dentro das metas de primário.

Para Ceron, a queda de 70% para 50% já é suficiente para induzir o governo a efetuar o processo de contenção nas despesas, necessário para manter uma trajetória fiscal saudável.

A indicação de quais medidas seriam adotadas para recuperar receitas ou conter gastos viria depois, eventualmente elencada na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), mas sem um comando no próprio arcabouço para realização de ações específicas.

No teto de gastos, por exemplo, há gatilhos que determinam o congelamento de concursos e aumentos de despesa acima da inflação.

A ausência de uma lista específica de medidas a serem adotadas em caso de descumprimento foi lida no mercado como um sinal de certa frouxidão na regra -interpretação que o governo rejeita.

"É melhor ter flexibilidade para permitir a escolha política de quais despesas ele vai cortar ou não vai crescer tanto do que fazer essa lista", disse Ceron.

"[A regra] Ser mais crível ou não não tem a ver com a lista [de medidas] que você fez, mas sim com o arcabouço que permita fazer o ajuste", afirmou o secretário.

Para ele, estipular medidas a serem adotadas em caso de descumprimento das regras "não significa absolutamente nada em termos de ser mais rígido ou não".

Além disso, o desenho evitaria, na avaliação do governo, que uma futura gestão, insatisfeita com os instrumentos elencados no projeto, tente mudar a lei no Congresso -repetindo a série de dribles ao teto de gastos.

"Ele [o gestor] não poderá fazer escolha política de não ter responsabilidade fiscal", disse Ceron. "Precisamos deixar claro que tem que tomar as medidas, mas a escolha de priorização é política", afirmou.