Risco da União com derrotas na Justiça passa de R$ 1 trilhão

Por FÁBIO PUPO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo comunicou ao Congresso que vê como provável perder mais de R$ 1 trilhão em decorrência de ações desfavoráveis na Justiça, um crescimento de 16% na comparação com um ano atrás. O valor representa um risco para as contas públicas nos próximos anos, pela alta possibilidade de os montantes se transformarem no curto prazo em novos precatórios (dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça sem chance de novos recursos).

O alerta é feito pelos técnicos do governo no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024. Entre os motivos para a elevação está uma reclassificação promovida pela AGU (Advocacia-Geral da União), que passou a usar uma nova metodologia para as estimativas.

É a primeira vez que o PLDO é enviado ao Congresso prevendo um risco provável acima de R$ 1 trilhão com perdas decorrentes de ações judiciais. Figuram como partes nesses casos a administração direta, as autarquias, as fundações, as estatais dependentes e o Banco Central.

Parte das ações elencadas se referem a demandas de estados e municípios. Eles pedem, por exemplo, a revisão de repasses do Fundef (o que pode gerar uma perda de R$ 133 bilhões). Os governadores também demandam a compensação da União pelo corte de ICMS implementado no governo Bolsonaro (R$ 19,6 bilhões, nos cálculos do governo).

Também está na lista dos casos elencados pelo PLDO a chamada revisão da vida toda, aprovada pelos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) por 6 votos a 5 em dezembro de 2022 e com decisão final publicada na última quinta (13).

A decisão passa a permitir aos segurados incluir no cálculo de aposentadorias, auxílios e pensões os valores de contribuições feitas antes de 1994, beneficiando quem tinha pagamentos maiores antes do início do Plano Real. Com a publicação, processos que estavam parados na Justiça podem voltar a andar.

Os novos valores previstos no PLDO são monitorados pelos técnicos e podem se somar ao estoque de precatórios existente hoje. O montante de valores a pagar cresceu 41% desde o fim de 2021 e chegou a R$ 141 bilhões em 2022.

O valor crescente de precatórios foi agravado por uma iniciativa do governo Bolsonaro, que, com aval do Congresso, conseguiu duas emendas à Constituição para alterar o mecanismo de pagamento dos precatórios e gerar espaço para mais gastos no ano seguinte --de eleições.

O resultado foi a criação de um teto de pagamentos para os precatórios, sendo que todo o valor que passou a superar tal limite começou a ser postergado para os anos seguintes. Além do valor total já computado não ser pago, novos montantes continuam sendo adicionados a cada exercício.

"Se não fosse a PEC [proposta de emenda à Constituição dos Precatórios, posteriormente transformada em duas], todas as inscrições tinham que ser pagas. Com o teto [de precatórios], você limitou o pagamento e o estoque vem crescendo. Então pode ser atribuído, sim, a isso", diz Heriberto Henrique Vilela do Nascimento, subsecretário de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional.

O alerta sobre um possível crescimento em bola de neve com essa dívida é emitido por especialistas desde a mudança feita por Bolsonaro e pelo então ministro Paulo Guedes (Economia). O valor pode aumentar ainda mais nos próximos anos porque não vem sendo executado o mecanismo de redução dos passivos previsto na época da elaboração das emendas.

O governo Bolsonaro defendia que isso seria possível por meio de diferentes instrumentos -como, por exemplo, um encontro de contas entre os precatórios e os valores a serem pagos por devedores da União.

Além disso, poderiam ser abatidos do total pagamentos devidos ao Tesouro por concessionárias de infraestrutura -que poderiam usar precatórios comprados por elas no mercado (em geral, com desconto) para quitarem seus débitos.

Mas esses instrumentos não estão sendo executados conforme o prometido, até porque a falta de regulamentação trava o processo. No caso dos aeroportos, por exemplo, a espanhola Aena gostaria de usar o mecanismo -mas o governo justifica não haver segurança jurídica para a operação.

"A regulamentação sobre isso não está completa e há dificuldade de se operacionalizar", afirma Nascimento.

Os altos valores de precatórios são uma ameaça ao plano do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de reequilibrar as contas públicas nos próximos anos. Em especial em 2026, quando termina o efeito das emendas de Bolsonaro (que permitiram postergar os valores). Se nada for feito, a conta acumulada pode chegar de uma só vez.