Bolsa cai mais de 2% e dólar vai a R$ 5,08 com percepção de que juros vão atrapalhar arcabouço fiscal
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Bolsa começou o dia em queda, e o movimento só se acentuou na parte final do pregão desta quarta-feira (19). Ao analisar os detalhes do novo arcabouço fiscal, apresentado nesta terça-feira (18) pelo governo ao Congresso, os economistas afirmam que as metas dependem muito da arrecadação, e as declarações do presidente do BC (Banco Central) sobre juros trouxeram a percepção de grande dificuldade para o cumprimento da proposta.
O Ibovespa fechou o dia em baixa de 2,12%, a 103.912 pontos. O dólar comercial à vista subiu 2,174%, a R$ 5,084, voltando ao mesmo patamar visto no começo de abril.
Nos mercados futuros, a tendência de alta vista desde o início da semana se acentuou nesta quarta-feira. No vencimento em janeiro de 2025, a taxa passou de 11,98% para 12,11%. Para janeiro de 2027, os juros subiram de 11,82% para 12,07%. No vencimento em janeiro de 2029, a taxa avançou de 12,13% para 12,42%.
Os juros reagem mais diretamente às falas do presidente do BC em Londres. Campos Neto disse que o núcleo da inflação no Brasil está muito resiliente e, embora o dado cheio esteja caindo, o aumento de preços deve voltar a ganhar força no segundo semestre. Ele afirma que é preciso persistir na batalha contra a inflação, que não está ganha.
Falando a investidores, Campos Neto disse não ter lido em detalhe ainda o texto do projeto do arcabouço fiscal encaminhado pelo governo ao Congresso na véspera, mas reiterou que a proposta é "bastante razoável" e que será importante acompanhar o processo de sua aprovação.
"Estamos observando para ver os efeitos do que o governo apresentou", afirmou, frisando mais uma vez que não há uma relação mecânica entre a meta fiscal e as decisões do BC sobre juros, e que o mais importante é como as políticas para as contas públicas afetam o canal de expectativas dos agentes econômicos.
"A realidade é que o processo de desinflação está mais lento do que esperávamos dado o nível dos juros reais no Brasil. O que nos diz que a batalha não foi ganha e precisamos persistir", disse, em reunião organizada pelo European Economics & Financial Centre.
Lucas Martins, especialista em renda variável da Blue3 Investimentos, afirma que com a perspectiva de juros altos por mais tempo, o mercado começa a questionar a capacidade de arrecadação de impostos para que o governo consiga gastar o quanto pretende.
"Se não tivermos um cenário de queda de juros, dificilmente teremos um nível de crescimento econômico que viabilize o aumento de receitas pretendido pelo governo para viabilizar o novo arcabouço fiscal", afirma Martins.
" O principal desafio do governo será aumentar a arrecadação em ao menos R$ 100 bilhões para conseguir zerar o déficit primário no ano de 2024, conforme proposto", afirma Lorena Laudares, economista da Órama Investimentos.
Ela lista seis formas de conseguir atingir este objetivo, sendo o primeiro deles o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). A Órama projeta avanço de 0,9% da atividade econômica brasileira em 2023, o que não seria suficiente para impulsionar a arrecadação para zerar o déficit primário.
Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, afirma que as declarações de Campos Neto entraram rápido no radar dos investidores. "Ele passa a mensagem de que o combate à inflação não acabou, e o mercado coloca nos preços dos ativos juros altos por mais tempo", diz Carvalho.
Para Fernando Bento, presidente e sócio da FMB Investimentos, o texto do novo arcabouço apresentado no Congresso veio em linha com o esperado, e considera que o texto final representa uma vitória para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
"Os principais pontos de atenção são os casos que ficam fora do cálculo de limite de despesas, e também como o governo vai viabilizar as receitas previstas na proposta", afirma Bento.
As ações da Vale contribuíram para o desempenho ruim do Ibovespa nesta quarta-feira. A mineradora anunciou a produção de 66,77 milhões de toneladas de minério de ferro no primeiro trimestre deste ano, alta de 5,8% ante igual período de 2022. Mas as vendas recuaram mais de 10% no período, em relação ao primeiro trimestre de 2022.
Para os analistas do Bank of America, os números apresentados pela Vale foram "decepcionantes". A produção de 66,7 milhões de toneladas ficou 1 milhão de toneladas abaixo do que as projeções do banco. As vendas ficaram 5% abaixo das estimativas do Bank of America.
Após a prévia operacional, o BofA cortou em US$ 400 milhões sua projeção para o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) da Vale no primeiro trimestre. O banco manteve a recomendação Neutra para a mineradora, já que espera uma perda de força na cotação do minério de ferro no segundo semestre.
Somadas, Petrobras, Vale e siderúrgicas representam mais de 30% do índice. Somente a ação ordinária da Vale tem 15% de peso, e fechou com queda de 2,92%. As ações ordinárias e preferenciais da Petrobras recuaram 3,21% e 3,19%, respectivamente.
Além do noticiário interno, o dólar reagiu também à percepção sobre a política de juros nos Estados Unidos. Após a queda acumulada na semana passada, com a desaceleração da inflação no Brasil, a perspectiva de que os preços americanos ainda estão longe da meta e o afastamento dos receios de uma crise bancária começam a reverter o cenário.
Segundo analistas, a perspectiva de juros altos por mais tempo nos Estados Unidos aumenta a demanda por títulos do país, considerados os mais seguros do mundo, o que acaba valorizando a moeda americana.
Nos Estados Unidos, as bolsas fecharam mais próximas da estabilidade. Os investidores continuam atentos aos balanços dos bancos americanos. O Morgan Stanley apresentou uma queda de 20% nas receitas líquidas no primeiro trimestre de 2023, provocada principalmente pela área de investimentos.
Na tarde desta quarta-feira, o Fed (Federal Reserve, banco central americano) divulgou o Livro Bege, relatório da autoridade monetária sobre a situação econômica nos EUA. A autoridade monetária relata que a atividade geral do país teve poucas mudanças nas últimas semanas, e que os preços desaceleraram, mas continuam apresentando altas moderadas, segundo a agência Bloomberg.
O índice Dow Jones fechou em baixa de 0,23%. O S&P 500 encerrou o dia com queda de 0,01%, e o Nasdaq subiu 0,03%.