Mulher é expulsa de voo da Gol após se recusar a despachar mochila; testemunha aponta racismo

Por NICOLA PAMPLONA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Uma passageira foi expulsa de um voo da Gol que partia de Salvador para São Paulo na noite desta sexta-feira (28) após discussão sobre despacho de bagagem de mão. Testemunhas acusam a empresa de racismo.

A companhia aérea diz que está apurando detalhes do caso, mas afirma que a cliente não aceitou colocar sua bagagem "nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo".

Vídeos gravados por passageiros e publicados em redes sociais mostram o momento que Samantha Vitena é abordada por agentes da Polícia Federal, que alegam seguir determinação do comandante da aeronave.

Ela defendeu que não poderia despachar a mochila porque levava um laptop e que não teve assistência da tripulação. Com a ajuda de outros passageiros, afirmou, conseguiu encontrar um lugar, mas mesmo assim estava sendo obrigada a deixar o avião.

"Se eu despachasse o meu laptop ele iria ficar aos pedaços. Os comissários não moveram um dedo para me ajudar", reclamou. O voo estava atrasado havia mais de uma hora e Samantha diz que os comissários de bordo passaram a culpá-la pelo atraso.

"Falaram para mim que se a gente pousasse em Guarulhos [devido ao atraso], a culpa seria minha. Sendo que eu coloquei a minha mochila aqui e estamos há mais de uma hora parados aqui", afirmou. "Agora vêm três homens para me tirar do voo sem falar o motivo."

Depois, um homem se aproxima para retirá-la do avião "por determinação do comandante" e outros passageiros protestam. Alguns ameaçaram deixar a aeronave junto com Samantha, que acabou saindo sozinha.

"A tripulação ignorava completamente o desespero desta mulher, que era obrigada a despachar a mochila com seu computador", escreveu a jornalista Elaine Hazin, que também estava no voo e registrou o momento.

Ela acusa a companhia de racismo. "Ela se defende, mas não reage, alguns pedem para ela não ir (na maioria mulheres), eu me desespero, todas com muito medo, apreensão e os policiais ameaçam algemá-la. Não dizem a razão de levá-la presa, só que foi uma ordem do comandante."

"Conseguimos um lugar para a mochila de Samantha e nem assim o voo decolaria", afirmou. "Samantha era uma ameaça por ser uma mulher, ser preta, ter voz."

As regras da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) dizem que é recomendável que computadores portáteis sejam carregados na bagagem de mão. Se forem levados na bagagem despachada, diz, medidas devem ser tomadas para prevenir a ativação não intencional.

A Polícia Federal disse que foi acionada pela Gol para efetuar o desembarque de passageira que não teria acatado ordens referentes à segurança de acomodação de bagagens. A passageira, informou, foi ouvida e liberada. "As circunstâncias do fato estão sendo apuradas."

"Ressalta-se que, de acordo com a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, o comandante exerce autoridade desde o momento em que se apresenta para o voo até o momento em que entrega a aeronave, tendo autonomia para solicitar apoio da Polícia Federal", afirmou.

Em nota, a Gol disse que "havia uma grande quantidade de bagagens para serem acomodadas a bordo e muitos clientes colaboraram despachando volumes gratuitamente".

"Mesmo com todas as alternativas apresentadas pela tripulação, uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo", prossegue.

A empresa diz ainda que, por medidas de segurança, a acomodação das bagagens devem seguir as regras e procedimentos estabelecidos, sem exceções. "A companhia ressalta ainda que busca continuamente formas de evitar o ocorrido e oferecer a melhor experiência a quem escolhe voar com a Gol."

A assessoria de imprensa da Gol disse, em novo posicionamento apresentado na noite deste sábado, que "a passageira acomodou sua bagagem em local que obstruía a passagem, o que trazia risco a segurança do voo".

"A tripulação da Gol ofereceu para a cliente o despacho gratuito da bagagem. Em seguida ofereceu que o computador fosse retirado da mochila e por fim troca de assento para onde seria possível a acomodação da bagagem", diz a empresa.

"A impossibilidade de chegar a um acordo e a necessidade de se reestabelecer a ordem fez com que a Polícia Federal fosse acionada."

A Fiocruz, instituição em que Samantha cursa mestrado em Bioética, afirma que sua aluna foi vítima de racismo e violência contra a mulher pela companhia e pela PF.

"A violência racista que acomete tantas pessoas no Brasil expulsou Samantha de um voo de retorno para sua casa e a submeteu a interrogatório durante a noite, na delegacia. Nem Samantha, nem nenhuma mulher negra deve passar por momentos como esse", afirmou a Fiocruz, em nota.