Precisamos parar de demonizar política industrial e de inovação, diz diretor do BNDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) precisa ter uma atuação mais forte no fomento à indústria e à inovação, mas isso não significará a reedição da política de campeões nacionais que beneficiou grandes empresas no passado, afirma o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Comércio Exterior e Inovação, José Luis Gordon, em entrevista à Folha de S.Paulo.
A instituição já lançou uma linha de crédito de R$ 20 bilhões para fomentar inovação, recursos que se somarão a outros R$ 20 bilhões ofertados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) com juros reduzidos. O pacote, segundo ele, tem potencial para ser a "maior política" de incentivo à inovação já realizada no país.
"A gente precisa parar de demonizar a política industrial e de inovação", diz Gordon.
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PERGUNTA - O presidente do banco, Aloizio Mercadante, anunciou um pacote de R$ 20 bilhões para projetos em inovação. O sr. pode detalhar?
JOSÉ GORDON - O mundo hoje tem colocado a agenda industrial e de inovação como prioridade. Os Estados Unidos têm feito isso. O Brasil não pode ficar fora dessa corrida. Se a gente quer ter um setor industrial e empresarial competitivos, nacional e internacionalmente, a gente precisa de um setor que seja inovador. A gente precisa parar de demonizar a política industrial e de inovação.
Agora, é uma atividade de risco. Você imagina onde quer chegar, mas não sabe como vai chegar, e pode não chegar. Precisa ter instrumentos financeiros. É muito difícil financiar uma atividade de risco para o setor industrial e empresarial com 18%, 15% ao ano. Nenhum empresário vai pagar isso se for um processo que pode não dar certo, tanto no desenvolvimento quanto depois, colocar no mercado e esse produto não ser aceito.
Esse debate foi feito no âmbito do Congresso e aprovado. O BNDES vai poder apoiar a atividade de inovação a partir de agora com TR [taxa referencial], que hoje está entre 1,7% e 2% ao ano. Ou seja, com uma taxa mais atrativa. Ao mesmo tempo, a gente fez uma trava de que [o valor dos financiamentos] é no máximo 1,5% do saldo do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador]. Isso significa algo como R$ 5 bilhões ao ano, durante os próximos quatro anos.
P - O valor travado no FAT é para bancar o subsídio ou como fonte de financiamento?
JG - Não existe subsídio aqui. Vai continuar tendo TLP [Taxa de Longo Prazo, atrelada ao custo da União para emitir dívidas e que serve de referência para os empréstimos do BNDES], remunerando a maior parte do saldo, e 1,5% do FAT pela TR. Isso significa, em quatro anos, R$ 20 bilhões voltados à agenda de inovação.
A ideia é direcionar esses R$ 20 bilhões para agendas prioritárias. O CNDI [Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial] está montando as prioridades da política industrial. Anunciaram já sete missões muito ligadas à transição energética, à digitalização, à área da saúde.
A Finep, agência de inovação do governo, tem esse mesmo [papel de fomento]. A TR foi aprovada no começo do ano para a Finep, e vai ser mais ou menos o mesmo valor, R$ 20 bilhões em quatro anos. Com o BNDES, serão R$ 40 bilhões em crédito para inovação. E estamos trabalhando para que a gente possa ter ações em conjunto, inclusive com uma porta única de entrada de projetos.
P - Qual é a dimensão desses R$ 40 bilhões?
JG - O BNDES chegou a ter em torno de 6% dos desembolsos para a inovação. Hoje, é menos de 1%. Se juntar os recursos do BNDES com os recursos da Finep, com certeza será a maior política de inovação dos últimos anos. Provavelmente vai ser a maior política de inovação industrial da história do país.
P - O sr. disse que não se trata de um subsídio, mas o FAT está sendo remunerado abaixo da TLP ou da Selic. Isso não é um subsídio implícito bancado pelo fundo?
JG - Para ter uma indústria que empregue, que pague salários melhores, mais impostos, preciso de uma indústria altamente competitiva e produtiva. Estamos pegando uma parte superpequena do FAT, que é 1,5%, para poder estimular exatamente isso. Ah, é um subsídio implícito? É um subsídio implícito, não posso dizer que não. Mas é um subsídio de uma parte pequena, que vai gerar uma indústria mais competitiva, mais produtiva e vai gerar mais emprego. E a gente vai continuar remunerando o FAT mais ou menos no mesmo patamar, a diferença é depois da vírgula, o que vai diminuir. No fundo, o saldo lá na frente vai ser positivo.
O setor agro é superimportante para o país, tem apoio estratégico, mas demanda fertilizantes, máquinas e equipamentos, e quem produz isso? A indústria. O papel da indústria como dinamizadora da economia é fundamental. Por isso preciso de uma indústria inovadora e competitiva, inclusive para exportar.
P - De que forma?
JG - Lançamos uma linha de R$ 2 bilhões em que reduzimos nosso spread em 60%, com grande foco em pequenas empresas exportadoras. Todo mundo fala que nós temos que ter uma indústria que não fique só voltada para o Brasil. Mas se não tiver capacidade de competir, e inovação é fundamental, nós precisamos apoiar.
O BNDES apoiar a exportação é muito importante. Os recursos do BNDES não são para países. O BNDES não apoia país A, B ou C. Os recursos com que a gente apoia exportação vão para as empresas no Brasil, em reais, para que elas possam vender os produtos das empresas brasileiras, gerando emprego e renda no Brasil, e ainda vai atrair divisa com o pagamento da exportação.
Para quem tem recebíveis em dólar, estamos lançando uma linha que é: pode investir, fazer um hedge natural [pois tem receitas em dólar], e nós vamos pegar os custos de risco e vai ter o spread do banco. A gente reduz de um juros de 18% ao ano para entre 5,5% e 7%. Isso para ele investir no Brasil.
P - O sr. disse que o saldo será positivo. Vocês têm algum estudo que mostre o potencial de geração de empregos, crescimento ou ganho de participação da indústria?
JG - Estamos trabalhando agora com a política industrial exatamente para [definir] onde a gente vai. A política industrial vai dar as metas, onde estamos querendo chegar e o que queremos alcançar. Isso vai ajudar a construir essa indústria mais verde, mais digital, mais inovadora.
P - Mas tem uma meta?
JG - Queremos trabalhar internamente no BNDES para aumentar nosso apoio ao setor industrial e à inovação, mas isso estará casado com a política industrial. O recurso vai ser alinhado com a agenda prioritária do país e com nosso grande parceiro, que é a Finep.
P - Como evitar que as missões estratégicas se convertam numa nova versão da política de campeões nacionais?
JG - A gente trabalha com a ideia de apoiar o setor industrial dentro dessas missões. Não é uma política setorial específica. A gente vai apoiar o que tiver de melhor projeto, não é a empresa A, B ou C. Vou apoiar os melhores projetos dentro daquelas missões, que é o que tem hoje de mais moderno no mundo.
P - Como que vai ser a porta única de projetos?
JG - A ideia é que tenha um lugar único para onde as empresas vão encaminhar esse projeto, e as equipes técnicas vão analisar. [Se] Esse projeto é a prioridade, então ele vai ter um custo diferenciado. Esse projeto não está na prioridade, então o custo dele vai ser maior. Em cima da TR, a gente vai ter os spreads, que vão variar conforme as prioridades da política de país.
P - A indústria brasileira tem uma cultura de demandar protecionismo. Como estimular as exportações?
JG - O presidente Lula tem viajado o mundo para abrir o mercado para o setor empresarial brasileiro. Estamos conversando com todos eles. E se forem inovadores, vão conseguir competir.
P - O governo anunciou uma política de incentivos à compra de carros zero quilômetro. Faz sentido esse estímulo em meio à discussão da sustentabilidade?
JG - O BNDES não participou da construção dessa política, mas a ideia é que seja de curto prazo. O setor automotivo tem uma cadeia para frente e para trás muito grande. A lógica é: vamos fortalecer uma política que gera emprego, mas por um prazo determinado.
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José Luis Gordon, 40
Diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES desde janeiro de 2023. Formado em economia pela USP, é mestre e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalhou nos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação. Foi diretor e presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial.