Entenda o que muda com o novo regime de metas de inflação

Por LUCAS BOMBANA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O CMN (Conselho Monetário Nacional) decidiu nesta quinta-feira (29) alterar o regime de metas de inflação.

A decisão foi pela substituição do modelo atual do ano-calendário pelo de meta contínua, uma mudança que já estava no radar dos agentes financeiros -uma pesquisa realizada em maio pela plataforma de investimentos Warren Rena com 108 profissionais do mercado financeiro mostrou que, para 48% deles, o sistema de meta por ano-calendário seria mesmo substituído pela meta contínua.

Já o número de inflação a ser buscado pela autoridade monetária neste e nos próximos anos não se alterou, com a fixação da meta de 3% para 2026, sem alteração em relação ao objetivo estabelecido para 2024 e 2025.

Entenda ponto a ponto o modelo atual do regime de metas de inflação e o que muda com as alterações aprovadas pelo CMN, colegiado formado pelos ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet) e pelo presidente do BC (Roberto Campos Neto).

**Como funciona o regime de metas de inflação atualmente?**

No modelo atual do regime de metas da inflação, adotado desde 1999, o BC (Banco Central) tem uma meta específica a ser alcançada em determinado ano.

Para 2023, a meta é de 3,25% ao ano, e de 3% para 2024 e 2025, com intervalos de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Os dados mais recentes da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) indicam que o índice oficial de preços atingiu 3,94% no acumulado de 12 meses até maio. É o menor nível desde outubro de 2020 (3,92%). O avanço era de 4,18% até abril de 2023.

De acordo com o BC, uma inflação baixa, estável e previsível traz vários benefícios para a sociedade. "A economia pode crescer mais, pois a incerteza na economia é menor, as pessoas podem planejar melhor seu futuro e as famílias não têm sua renda real corroída", assinala a autoridade monetária.

**Como passa a ser o regime com a meta contínua?**

Com a meta contínua, em vez de perseguir o objetivo para a inflação em um determinado ano, o BC passa a trabalhar com a prerrogativa de alcançá-la em um horizonte mais dilatado.

Na meta contínua, o BC passa a acompanhar a trajetória da inflação em janelas móveis de 12 meses que não se encerram em 31 de dezembro de cada ano, explica Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Rena.

"Na prática, a mudança para a meta contínua não muda nada. Isso porque o BC já se comunica e informa o horizonte relevante de política monetária como uma janela móvel" mirando os 18 meses à frente, diz Rafael Ihara, economista-chefe da gestora de recursos Meraki Capital.

Agora, portanto, a autoridade monetária está olhando já para 2024, acrescenta Ihara. "Nesse sentido, hoje a projeção de 2024 é muito mais importante que 2023", diz o economista.

No relatório trimestral de inflação divulgado nesta quinta pelo BC, as projeções de inflação da autoridade monetária situam-se em 5% para 2023, em 3,4% para 2024 e em 3,1% para 2025.

Andréa, da Warren Rena, diz que a desvinculação da meta de 3% do ano-calendário, cenário que já era considerado o mais provável, tende a contribuir para que haja uma continuidade no movimento de ancoragem das expectativas de inflação.

No boletim Focus desta semana, os economistas consultados pela autoridade monetária projetam o IPCA de 2023 em 5,06%, ante 5,71% quatro semanas atrás e 6,02% no início de maio.

"A decisão do CMN mostra que BC e governo estão alinhados, além de representar um aprimoramento do sistema de metas", afirma a especialista da Warren Rena.

Ela acrescenta que, a depender do ritmo de evolução das projeções do Focus, não se pode descartar a possibilidade de o BC iniciar o ciclo de corte dos juros com uma redução de 0,25 ponto percentual em agosto, acelerando o passo para 0,50 ponto em setembro.

Na ata da reunião referente à última reunião do Copom, o colegiado já havia assinalado que decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuem para um processo desinflacionário mais célere e menos custoso, abrindo caminho para o início da flexibilização monetária.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a defender nesta quinta que a meta de inflação não seja "fixa e eterna" e sim que seja móvel para levar em conta a situação econômica daquele momento.

"O Brasil não precisa ter uma meta de inflação tão rígida, como estão querendo agora, sem alcançar", afirmou o presidente.

"A gente tem que ter uma meta que a gente alcance. Alcançou aquela meta a gente pode reduzir e fazer mais um degrau, descer mais um degrau. [...] É para isso que a política monetária tem que ser móvel, ela não tem que ser fixa e eterna. Tem que ter sensibilidade em função da realidade da economia, das aspirações da sociedade", completou o mandatário.

**Como fica a carta anual do BC?**

No atual regime de metas de inflação, quando a meta não é alcançada em determinado ano, o presidente do BC precisa escrever uma carta aberta endereçada ao ministro da Fazenda justificando as razões que impediram o atingimento do objetivo.

Em janeiro deste ano, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou na carta que o estouro da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo se deve a cinco principais fatores, como inflação herdada do ano anterior, fenômenos globais e retomada na demanda de serviços e no emprego após a reabertura da economia.

Em 2022, a inflação medida pelo IPCA fechou o ano com alta acumulada de 5,79%, ante a meta de 3,5%.

Sob a nova regra da meta contínua, fica a dúvida se o BC seguirá escrevendo uma carta ao final de cada ano, se a inflação nos últimos 12 meses ficar acima do objetivo estabelecido, ou se a autoridade monetária vai optar por alguma outra periodicidade, podendo eventualmente fazer as comunicações dentro de algum dos relatórios trimestrais de inflação, afirma Andréa, da Warren Rena.

"Sinceramente, acho a carta irrelevante. Na prática, não tem nenhuma consequência. Mas o presidente do BC poderia continuar publicando uma carta anualmente, justificando porque na janela móvel passada a inflação ficou acima ou abaixo da meta estabelecida", diz Ihara, da Meraki.

Em entrevista à Folha nesta semana, o ex-presidente do BC, Arminio Fraga, disse que não seria uma grande perda extinguir a carta aberta.

"Não tenho nada contra a carta, mas também não acho que seja tão essencial na medida em que o BC presta conta a cada Copom com bastante detalhe, depois quatro vezes por ano sai o relatório de inflação ainda mais detalhado, com estudos, e há também a presença obrigatória do presidente do BC no Congresso. Eu não mexeria na carta, mas a ideia de cartas frequentes não faz sentido", afirmou Fraga.

A carta escrita por Campos Neto em janeiro deste ano foi a sétima desde a criação do sistema de metas para a inflação e a segunda de autoria do atual presidente do BC. No texto divulgado em janeiro do ano passado, endereçado ao ex-ministro Paulo Guedes, o chefe da autarquia atribuiu o estouro da meta de inflação de 2021 ao fenômeno global.

Já o antecessor de Campos Neto, Ilan Goldfajn, teve de se justificar por ter deixado a inflação ficar ligeiramente inferior ao limite mínimo estabelecido para o objetivo de 2017.

Nos outros casos, referentes aos anos de 2015, 2003, 2002 e 2001, foi excedido o limite superior da meta de inflação. Entre as diversas causas, estavam a desvalorização do real, a crise de confiança de investidores, a crise global e o realinhamento de preços.

Antes de Campos Neto, Henrique Meirelles havia sido o único presidente do BC a ter escrito duas cartas ao longo de seu longevo mandato, que durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010.