Não temos interesse em acordo que nos condene a exportadores de matérias-primas, diz Lula
BRASÍLIA, DF, E PUERTO IGUAZÚ, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - O presidente Lula (PT) usou seu primeiro discurso na cúpula do Mercosul deste mandato para voltar a criticar as novas exigências ambientais da União Europeia no acordo de livre comércio com o Mercosul e disse que não tem interesse em "acordos que nos condenem a exportadores de matérias-primas".
"O Instrumento Adicional apresentado pela União Europeia em março deste ano é inaceitável. Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções", repetiu ele nesta terça (4) aos presidentes da Argentina, Uruguai e Paraguai. "Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matéria primas, minérios e petróleo", disse.
O presidente também prometeu revisar e avançar em acordos com Canadá, Coreia do Sul e Singapura durante o próximo semestre em que assume a presidência do bloco: "Vamos explorar novas frentes de negociação com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe."
Horas antes, em live nas suas redes sociais, Lula havia novamente firmado sua posição em relação à carta da União Europeia.
"Nós queremos discutir o acordo, mas nós não queremos imposição para cima de nós. É um acordo de companheiros, de parceiros estratégicos, então nada de um parceiro estratégico colocar a espada na cabeça do outro. Vamos sentar, vamos tirar as nossas diferenças e vamos ver o que é bom para os europeus, para os latino-americanos, para o Mercosul e para o Brasil", afirmou em live nas redes sociais.
"Tal como [a carta] foi escrita ela era inaceitável, e é inaceitável. Porque você não pode pensar que um parceiro comercial seu pode te impor condições: 'Se você não fizer tal coisa eu vou te punir, se você não cumprir o acordo de Paris eu vou te punir'. Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos acordos", continuou, citando como exemplo os protocolos de Kyoto, de Paris e do Rio de Janeiro.
Negociado oficialmente desde 1999, o acordo entre Mercosul e União Europeia foi concluído em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi ratificado pelos dois blocos. O principal impasse para isso agora é um anexo ao texto, chamado de "side letter", proposto pelos europeus no início deste ano, que tornaria obrigatórios alguns compromissos ambientais antes voluntários.
Enquanto a Europa quer garantir que a exportação de commodities com problemas ambientais seja vista como uma violação passível de sanções, o governo brasileiro considera as condições muito rígidas e vem subindo o tom das críticas. "Não é possível que haja uma carta adicional fazendo ameaças a parceiro estratégico", repetiu Lula na França, no último dia 23.
Nesta segunda (3), o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, afirmou que deve apresentar a resposta à carta nos próximos dias. "Em alguns dias, pretendemos apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional", discursou ele durante reunião de ministros do Mercosul em Puerto Iguazú, do lado argentino das Cataratas do Iguaçu.
Outro ponto do acordo que Lula tem insistido publicamente em rever são as compras governamentais. Esse capítulo prevê "tratamento nacional" a fornecedores estrangeiros contratados pelos Estados, mas também várias exceções para proteger as empresas nacionais. Ainda assim, Lula e principalmente o argentino Alberto Fernández veem prejuízos às suas indústrias.
O país vizinho, que passará a presidência semestral do Mercosul a Lula nesta terça (4), reforçou sua posição semelhante à do Brasil e defendeu uma "atualização" do acordo que não implique na reabertura das negociações. O chanceler argentino, Santiago Cafieiro, também criticou o texto aprovado: "Colocar em funcionamento o acordo de 2019 é diminuir nossas exportações atuais", disse.