Preocupação com fiscal some de comunicado do Copom, apesar de riscos à frente
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após mais de três anos demonstrando preocupação com a incerteza com as contas públicas, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central deixou de elencar o tema como fator de risco para alta da inflação em seu comunicado divulgado na quarta-feira (2).
O ato, que pode ser visto como um aceno ao governo Lula (PT), não passou despercebido pelos analistas em meio ao risco de deterioração das contas públicas à frente.
Ao anunciar o primeiro corte de juros do ciclo, com a redução da taxa básica (Selic) a 13,25% ao ano, o colegiado do BC excluiu de seu balanço de riscos a menção a "alguma incerteza residual sobre o desenho final do arcabouço fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional".
A citação constava no comunicado divulgado na reunião anterior, em junho, e foi alvo de críticas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) por não reconhecer o trabalho feito pela área econômica para reequilibrar as contas públicas.
Horas depois daquela decisão do Copom, o Senado Federal aprovou o texto do marco fiscal com modificações e o projeto retornou à Câmara dos Deputados para nova apreciação. O desenho definitivo da nova regra continua em aberto. Como mostrou a Folha, divergências quanto às mudanças feitas pelos senadores têm adiado a retomada da discussão entre os deputados, que terão a palavra final sobre o arcabouço.
Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, vê a discussão em torno do arcabouço como superada. "Foram só algumas mudanças pontuais no Senado. A expectativa ampla é de uma aprovação na Câmara", disse.
"O BC achou por bem já nesse momento retirar essa questão da discussão fiscal e também a questão de desancoragem [distanciamento das expectativas em relação às metas], que está um pouco relacionada à questão fiscal. O BC já não vê mais risco desse lado", acrescentou.
Essa foi a primeira vez que o Copom não fez qualquer menção ao fiscal no balanço de riscos para a inflação desde março de 2020, quando eclodiu no Brasil a pandemia de Covid-19.
O tema esteve presente em todos os comunicados desde então, embora o presidente do BC, Roberto Campos Neto, diga que política fiscal não é um "trabalho" da autoridade monetária. Segundo ele, esse é um elemento que contribui para a decisão sobre os juros.
Desde outubro de 2021, o BC joga luz sobre questionamentos relacionados ao teto de gastos [regra ainda em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior] e, posteriormente, à transição ao novo arcabouço fiscal.
Para o ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, ainda que o novo arcabouço fiscal não esteja aprovado, as discussões residuais não mudam significativamente a trajetória fiscal, o que dá conforto ao BC para excluir esse tema de seu balanço de riscos.
"É fácil chegar no consenso de que o arcabouço não tem de ser mencionado porque o seu risco é marginal, mas seria muito estranho que o BC não estivesse de alguma maneira monitorando o nosso nível de déficit em relação ao prometido pelo governo nas metas e a piora que houve na margem nessa percepção", diz.
Ele pondera que "não faz sentido" a autoridade monetária ignorar o risco fiscal projetado à frente e que "seria salutar que a ata mencionasse esse ponto de atenção".
De acordo com o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 3º bimestre, divulgado em julho, o déficit fiscal estimado pela equipe econômica chegou a R$ 145,4 bilhões, equivalente a 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) -elevação de R$ 9,2 bilhões em relação à estimativa de maio, que indicava déficit de R$ 136,2 bilhões.
O governo, entretanto, se comprometeu a entregar um déficit de 1% do PIB [Produto Interno Bruto] neste ano e zerar o rombo nas contas públicas em 2024, o que depende do avanço de medidas de recomposição de receitas e corte de gastos.
"A velocidade da despesa está dada, mas a velocidade da receita é absolutamente incerta. Desde o início do governo são mencionadas medidas e essas medidas ainda não apareceram, tanto que até o próprio governo reconhece que ele precisa de mais R$ 130 bilhões para entregar o resultado [primário] zerado no ano que vem", diz.
Como mostrou a Folha, o cardápio de medidas em elaboração pelo Ministério da Fazenda para fechar as contas do Orçamento de 2024 deve ter como um dos principais focos a tributação de ganhos financeiros, além de propostas já conhecidas, como a mudança nas regras de julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e professor da instituição, considera que a questão fiscal não será solucionada tão rapidamente e voltará a ser discutida em breve.
Ele argumenta que, apesar de o governo dizer que precisa aumentar a arrecadação, na prática continua concedendo isenções e incentivos, como o programa de desconto para carros "populares" e o Desenrola, de repactuação de dívidas.
"O governo está em uma situação complicada. Lembrando que ele continua pagando uma despesa com juros muito elevada. Tem de olhar para o fiscal não só do ponto de vista primário, mas também olhar o fiscal com o resultado nominal", acrescenta.
Quanto à ausência de referência à incerteza fiscal no comunicado do Copom, Marconi levanta algumas hipóteses. Uma delas é a mudança na composição da diretoria do BC, com a chegada de Gabriel Galípolo e Ailton Aquino, os primeiros indicados pelo governo Lula, que estrearam no Copom nesta semana.
O tema pode ter sido alvo de discordância entre os membros, o que costuma ser expressado apenas na ata da reunião, que será publicada na próxima terça-feira (8). O comunicado, segundo o BC, tem a função de expressar apenas opiniões de consenso.
Outra possibilidade, segundo ele, seria o desejo de fazer um aceno mais enfático a Haddad. "Do ponto de vista político, pode ter sido uma levantada de bandeira branca. 'Vamos tentar fazer um comunicado mais apaziguador da relação do Banco Central com o governo e, nesse sentido, tirar essa questão'", diz.