Para analistas, privatização de Cemig e Copasa extingue uso político de empresas

Por LEONARDO AUGUSTO

BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - O fim da possibilidade de interferência política na Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) e Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), as principais empresas públicas sob comando do estado, é apontado por analistas de mercado como o principal motivo para a privatização das duas estatais.

Nesta segunda (21), o governador Romeu Zema (Novo) enviou à Assembleia Legislativa uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que, na prática, facilita a venda de ambas.

O texto acaba com a necessidade da realização de referendo, uma consulta popular, para a privatização de estatais, obrigação colocada na Constituição do estado por iniciativa do então governador Itamar Franco em 2001.

O projeto também reduz o quórum do Plenário para a aprovação do texto, de 48 dos 77 parlamentares, para maioria simples presente na sessão na data da votação.

A Cemig informou que não falaria sobre privatização. A Copasa não retornou pedido feito pela reportagem para indicação de representantes para entrevista. O mesmo ocorreu com o governo do estado.

Para os analistas, privatizadas e, portanto, sem a possibilidade de influência política, as estatais passam a prestar melhores serviços e a valer mais no mercado de ações.

"O que aconteceu com a Cemig aconteceu com muitas estatais no país. Foi a piora na governança da empresa. Começou a se deteriorar em meados dos anos 80 para cá. Acho que houve dificuldade em separar quadros técnicos de políticos", afirma o economista Claudio Frischtak, sócio-fundador da Inter.B Consultoria Internacional.

Para o economista, a privatização assegura boa gestão e governança em ambientes competitivos como é o da energia e deverá ser o do saneamento, que ainda tem forte presença do poder público, cenário que deverá começar a mudar com a aprovação do marco do setor, que fixa metas, a partir de investimentos, a serem cumpridas até 2033.

O analista Renato Reis, da DVinvest, avalia que a questão da governança é importante para os números das empresas, e isto está ligado a não haver influência política. "Estatais têm um problema de governança muito grande. Há cabide de emprego, uso político", diz.

O economista-chefe do MB Associados, Sérgio Vale, acredita que, sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ritmo das privatizações no país possa ser reduzido. A venda mais recente no setor de energia foi a da Eletrobras, em junho do no passado.

"As estatais, em geral, têm esse problema, viram moeda de troca política, tanto na esfera estadual como federal. Sempre tem uma indicação da diretoria, da presidência", afirma.

Em comunicado sobre o envio do projeto de lei que facilita as privatizações em Minas, o governo do estado afirma que os recursos a serem alcançados com as privatizações serão utilizados na pavimentação de estradas e "demais melhorias logísticas e estruturais que possam dinamizar a economia mineira, criando emprego e renda".

No comunicado, o secretário de Governo, Gustavo Valadares, diz não ser segredo para ninguém quais são as pautas prioritárias do Palácio Tiradentes.

"Desde a campanha eleitoral, as desestatizações são defendidas pelo governador Romeu Zema. Com as privatizações, conseguiremos avançar na prestação de serviços para a população, oferecendo cada vez mais qualidade no atendimento", diz.

Para justificar o fim do referendo, o secretário afirma que a consulta popular, além de ser cara e onerar o poder público, não é eficaz.

"Afinal, setores regulados, como energia e saneamento, têm regras e leis específicas, que dependem de uma profunda avaliação técnica na tomada de decisões", diz o secretário.

Por se tratar de uma PEC, que exige quórum máximo para ser aprovada, ou seja, votos de 48 dos 77 deputados, o número de "sim" necessário para derrubar o referendo, e para que passe a valer a maioria simples na aprovação da venda, também será de 48.

A expectativa do governo é que as duas empresas estejam prontas para serem privatizadas em 2026. O líder da minoria na Assembleia, Doutor Jean Freire (PT), afirma que a oposição fará tudo o que estiver dentro do Regimento Interno da Casa para tentar impedir a aprovação da PEC enviada por Zema.

"Nessa PEC o governador Zema conseguiu deixar claro que despreza a política. E que, também, tem medo da base dele. Tem deputado que, mesmo não sendo do nosso lado, não vai votar esse projeto. Esperamos que isso ocorra. Qual a justificativa para vender duas empresas que dão lucro"?, indagou.

Uma manifestação do funcionalismo público do estado tendo como uma das pautas a manutenção das duas empresas nas mãos do governo foi marcada para o próximo dia 29 na Assembleia.

"Zema falou durante toda a campanha na questão da privatização da Cemig e da Copasa, duas empresas extremamente lucrativas. A gente não vê motivo para a venda dessas estatais", aponta o presidente da CUT-MG (Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais), Jairo Nogueira Filho.

O presidente da Assembleia, Tadeu Leite (MDB), em publicação nas redes sociais, disse que Minas precisa avançar, mas que nada será feito às pressas.

"A Almg recebeu hoje a PEC de autoria do governo do Estado que visa retirar da Constituição Mineira a obrigatoriedade de ouvir a população sobre privatizações de empresas estatais, como Cemig e Copasa", afirma o parlamentar, na publicação.

"Minas Gerais precisa avançar, se modernizar e se tornar ainda mais competitiva, mas nada será feito às pressas. Os mineiros merecem que esta decisão seja tomada com muito diálogo, responsabilidade e cuidado com o que é patrimônio da população", justifica.

Raio X - Cemig

Clientes - 9 milhões

Lucro* - R$ 1,2 bilhão

Número de funcionários - 5.000

Área de atuação - Energia

*Referente ao segundo trimestre de 2023

Raio X - Copasa

Clientes - 11,9 milhões (água e esgoto)

Lucro* - R$ 249,3 milhões

Número de funcionários - 13.000

Área de atuação - Saneamento

*Referente ao segundo trimestre de 2023