Governo ignora empresas e trabalhadores de apps em proposta para regular setor

Por LUCAS MARCHESINI

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O grupo de trabalho criado pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) para regulamentar serviços por aplicativos não discutiu a proposta de lei que a pasta pretende enviar ao Congresso Nacional.

A queixa feita por empresas do setor foi confirmada à Folha de S.Paulo por participantes do grupo, que tinha 45 membros, sendo 15 do governo, 15 representantes dos trabalhadores e 15 das plataformas de serviços. Esses classificam como fracassada a tentativa do governo de fazer um debate amplo sobre a regulação da atividade.

O grupo de trabalho se reuniu durante cinco meses, e as discussões se encerraram em 12 de setembro. Até o momento, afirmam eles, nenhum integrante do GT recebeu oficialmente a minuta redigida pelo MTE.

A proposta aventada pela pasta inclui o pagamento de contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), seguro de vida de R$ 40 mil e valor mínimo por hora, entre outros direitos trabalhistas e previdenciários.

Além disso, prestadores de serviço de empresas como Uber, 99, iFood e Rappi poderão trabalhar como autônomos ou ser contratados por meio da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

O problema para os representantes dos aplicativos é que somente dois assuntos foram discutidos no grupo de trabalho: os ganhos dos trabalhadores e a questão previdenciária. Outros pontos, como jornada de trabalho e pontos de apoio, não foram abordados e constam da proposta do governo.

Assim, quando o projeto for enviado ao Congresso, a discussão será retomada quase do zero, argumenta o setor, o que tende a dificultar a tramitação do texto.

Já há algum entendimento com o setor de transporte de passageiros, mas não com os demais integrantes do ecossistema de aplicativos de serviços.

"Nós estamos praticamente acordados com o setor de aplicativos de transporte de pessoas; as bases estão acordadas", disse o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, no dia 9 de outubro em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado.

"Com relação aos entregadores, ainda não houve acordo, não está sendo fácil, provavelmente nós teremos que remeter ao Congresso Nacional arbitrando o que vai acontecer, pois as empresas estão muito duras com relação a isso", continuou.

Ele ainda afirmou que a intenção do governo é apresentar a proposta até o fim deste mês.

O principal impasse está na forma de calcular o tempo de trabalho dos entregadores. Os trabalhadores defendem o conceito de hora logada, no qual basta a pessoa estar ativa na plataforma.

As companhias defendem um modelo por horas em rota, que leva em conta apenas o tempo buscando e entregando pacotes ou refeições. Nesse caso, uma correção poderia ser aplicada para compensar parte do tempo de espera.

Os motoristas de transporte de passageiros aceitam o uso da hora trabalhada enquanto os entregadores querem o de hora logada.

Para as empresas, o acordo com o setor de transporte de passageiros é uma cortina de fumaça para esconder um fracasso do grupo em chegar a um acordo com os entregadores. Na visão deles, o governo não quis encampar publicamente a posição de hora trabalhada para não desagradar uma categoria importante para a gestão petista.

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa Uber, 99, iFood, Buser, Flixbus, Lalamove, Amazon e Zé Delivery aponta "dois pontos consensuais nas discussões ocorridas no âmbito do GT: um valor mínimo por hora efetivamente trabalhada que considere os gastos operacionais dos trabalhadores e um modelo de integração na Previdência Social".

"A associação segue interessada em colaborar para a construção de um modelo regulatório que amplie a proteção social dos profissionais e garanta um ecossistema equilibrado para entregadores, motoristas, usuários e apps", afirma a associação.?

O Movimento Inovação Digital, que representa empresas como a Rappi e a 99, diz que "não foi debatida oficialmente uma proposta de normativa específica" no grupo e avaliou que a criação do grupo de trabalho "representa um avanço nas discussões de diferentes perspectivas".

"Avaliamos como positiva a promoção do diálogo entre todas as partes envolvidas", conclui.

Até o projeto chegar ao Congresso Nacional ainda há um caminho a percorrer. O texto ainda está no MTE e não chegou na Casa Civil, responsável por recolher as manifestações dos outros ministérios.

Entre as atribuições definidas pelo decreto que criou o grupo de trabalho estava formular propostas "para regulamentar as atividades de prestação de serviços, transporte de bens, transporte de pessoas e outras atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas".

Dessa maneira, para os integrantes do grupo consultados pela Folha de S.Paulo, o grupo fracassou, e o resultado prático será o mesmo de se o governo tivesse enviado o projeto diretamente ao Congresso.