Base do governo no Senado propõe drible em limite de gasto em 2023, mas recua

Por IDIANA TOMAZELLI E THAÍSA OLIVEIRA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A base aliada do governo no Senado incluiu em um projeto de lei complementar um artigo para autorizar um gasto extra fora do limite de despesas vigente em 2023.

O objetivo era financiar um programa de incentivo à permanência de alunos no ensino médio, mas os governistas precisaram recuar diante da resistência da oposição.

No Congresso, chegou a circular a possibilidade de aporte de até R$ 10 bilhões a partir desse dispositivo. Assessores do relator, senador Humberto Costa (PT-PE), citam um valor menor, de R$ 5 bilhões.

Segundo o petista, o tema havia sido combinado com a Casa Civil. "[O governo] Concordou, concordou", disse à Folha antes da retirada do artigo.

"Conversei com Randolfe [Rodrigues, líder do governo no Congresso], a gente comunicou a Casa Civil e certamente ele [Fernando Haddad, ministro da Fazenda] foi informado."

Costa nega que o dispositivo representasse um drible nas regras fiscais.

"Eu acho que é um projeto interessante, uma política extremamente importante e que, por uma questão formal, terminaria sem poder ser implementada. Como a gente não está mexendo em nada em termos do Orçamento propriamente dito, é um caminho que se procurou", afirmou.

A tentativa de manobra ocorreu no mesmo dia em que o ministro da Educação, Camilo Santana, participou da live "Conversa com o presidente", ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e falou do programa.

"Vai ser uma das maiores políticas que o senhor vai implementar. É a bolsa-poupança para o aluno do ensino médio. Nós perdemos hoje centenas de milhares de jovens no ensino médio que abandonam a escola, às vezes por necessidade de trabalhar", disse Santana.

"Uma parte o aluno vai receber todo mês durante o ano, e uma outra parte ele vai receber uma poupança no final do ano, com ele concluindo", afirmou. Segundo o ministro, o valor da poupança poderá ser resgatado ao fim do ensino médio.

"Vamos criar as condições. Não podemos pegar você [aluno] e levar direto na escola. Vamos criar incentivo para que você saiba que nós estamos pensando no seu futuro", disse Lula.

No Senado, Humberto Costa afirmou que teve conhecimento de "uma restrição" à implementação do programa, por causa da lei do novo arcabouço fiscal -que manteve a vigência dos limites já definidos para 2023.

"Para fazer essa mudança precisava de lei complementar, eu aproveitei e coloquei", disse. Segundo ele, havia discussões semelhantes na Câmara.

O artigo introduzido pelo relator dizia que, em 2023, "as despesas voltadas a programa instituído por legislação específica para incentivo à permanência de estudantes no ensino médio não serão contabilizadas nos limites de que trata o art. 12 da Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023", que é o teto de despesas vigente para este ano.

A inclusão do trecho foi feita em um projeto de lei complementar que prorroga o prazo para a execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, de incentivo à cultura, até o fim de 2024.

O texto foi aprovado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) e foi incluído na pauta do plenário desta terça-feira (14). Após os governistas aceitarem retirar o drible ao limite de gastos, a prorrogação do incentivo cultural foi aprovada por unanimidade, com 74 votos.

Membros da equipe econômica demonstraram surpresa ao serem questionados sobre o dispositivo. Uma das fontes disse que o dispositivo seria "bem complicado" para as contas públicas. Além de extrapolar o limite de gastos, a despesa poderia piorar o déficit deste ano.

Segundo técnicos do Legislativo, o artigo poderia abrir caminho para o governo fazer um aporte único em um fundo, que poderia então gerenciar a política de incentivo à permanência no ensino médio ao longo dos próximos meses, sem pressionar as contas de 2024 ou outros exercícios, até o uso completo da verba.

Procurados, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento não se manifestaram até a publicação deste texto.

A manobra despertou críticas de siglas contrárias ao governo. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), chamou o artigo de "jabuti", como são conhecidas as inclusões de itens sem relação com a matéria original.

Após o acordo, Marinho alfinetou o governo dizendo que qualquer alteração no arcabouço fiscal poderá ser feita com o "instrumento adequado".

"Essa alteração, que foi retirada do projeto, na verdade infringia novamente o arcabouço fiscal, por mais meritório que fosse a intenção, [de] se criar um programa de combate à evasão escolar, que todos nós comungamos", disse o líder da oposição.

A criação de um programa de incentivo à permanência de jovens no ensino médio é uma política defendida por diferentes membros do Executivo. A iniciativa fez parte do programa de governo da ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) quando ela concorreu à Presidência da República, em 2022.

Lula abraçou a causa e a incluiu em seu plano de governo no contexto das conversas para que Tebet apoiasse sua chapa no segundo turno das eleições, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Nos últimos meses, Haddad, que foi ministro da Educação no governo Dilma Rousseff (PT), também tem defendido uma mobilização para aprimorar as condições ofertadas aos alunos do ensino médio.

Em setembro, Santana já havia anunciado a criação da bolsa e poupança para alunos de ensino médio. A expectativa inicial era lançar o programa ainda em outubro deste ano, o que não ocorreu.