Cemig vai de joia 'corporation' de Zema a estatal na mira de Lula para abater dívida
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - A Cemig (Companhia Energética de Minas de Gerais) passou de principal ativo de um plano de privatização à peça central da negociação para pagamento de parte das dívidas do estado com a União.
No pacote, estão ainda Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) e Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais). A ideia é ajudar a abater uma pendência de R$ 161 bilhões com o governo federal.
Patrocinado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o movimento é uma guinada.
Há pouco mais de um mês, a proposta do governador Romeu Zema (Novo) era transformar a Cemig --a maior empresa pública do estado-- em uma corporation, com capital diluído. Agora, pelos planos de Brasília, a companhia seguirá estatal, sob nova direção: o governo federal.
Zema agora concordou com a proposta de Pacheco e Lula. Porém, o governador traçava um caminho liberal para a companhia. Em 18 de outubro, ele reuniu deputados estaduais no Palácio da Liberdade, a antiga sede do Poder Executivo, para apresentar o modelo de privatização da empresa.
Sem acionista controlador na Cemig, o estado figuraria como um proprietário de ações de referência, com poder de veto em decisões. Uma privatização passaria ou entrega da empresa à União passará pelo Assembleia Legislativa.
Uma proposta tramita na Casa para retirar a obrigatoriedade de referendo público para a venda da estatal, além de reduzir o número de votos para a aprovação da transação, hoje de 48. A Assembleia tem 77 parlamentares.
As duas regras foram colocadas na Constituição do estado durante o período em que Itamar Franco foi governador (1999 a 2002). O projeto foi enviado à Casa em 10 de outubro de 2023 e está parado na Comissão de Constituição e Justiça desde 16 de outubro.
Na semana passada, Pacheco (PSD) e o presidente da Assembleia mineira, Tadeu Leite (MDB), debateram um novo destino para a empresa. A Cemig virou moeda na amortização da dívida do estado com a União.
A proposta foi feita em substituição à adesão do estado ao RRF (Regime de Recuperação Fiscal), do governo federal, que permite o escalonamento da dívida, e cuja participação também precisa ser aprovada pela Assembleia.
Em viagem a Brasília na quarta-feira (22) para conversar sobre o tema no Ministério da Fazenda, depois de ser emparedado por Lula, Zema disse que concordava com o uso da empresa no pagamento da dívida.
A resposta para tanta disputa e tanto interesse político está no valor da empresa. A Cemig, a preço do mercado financeiro desta quinta-feira (23), vale R$ 27,9 bilhões, em queda desde quarta após Lula assumir o comando das negociações. Até terça (21), a empresa valia R$ 30,9 bilhões --queda de quase 10% desde então.
Com o montante seria possível abater, hoje, cerca de 17,5% da dívida. A Copasa vale ainda mais R$ 7 bilhões.
A Cemig foi criada em 1952 pelo então governador Juscelino Kubitschek como parte de um projeto desenvolvimentista. A empresa tem 9 milhões de consumidores e atua em 774 dos 853 municípios.
Participa de 101 sociedades, 27 consórcios e um fundo de investimento em participações em 24 estados do país e no Distrito Federal. A empresa tem 83 empreendimentos de geração em dez estados, sendo 44 próprios.
A Cemig opera ainda rede de transmissão de mais de 5.000 quilômetros, uma das maiores do país. Apesar de a energia elétrica ser o seu principal negócio, a Cemig tem a Gasmig, braço no setor de gás natural.
Procurada, a empresa não comenta a possibilidade de ser usada para abatimento na dívida do estado com o governo federal.
Estado projeta déficit de R$ 6 bilhões para 2024
A LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias) 2024 do governo de Minas Gerais aprovada pela Assembleia Legislativa prevê para o ano que vem déficit de R$ 6,06 bilhões, com receitas em R$ 113,65 bilhões e despesas em R$ 119,71 bilhões.
O déficit é maior que o previsto para 2023, de R$ 3,6 bilhões. Minas Gerais vive um cenário de queda de receita, que vinha crescendo desde 2014, mas começou a cair em 2020.
Em 2021, a arrecadação atingiu R$ 129 bilhões, caindo para R$ 118,7 em 2022. Até novembro de 2023, o valor é de R$ 95,8 bilhões.
Um dos motivos para a queda foi a redução na alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os setores de combustível, energia e comunicação, a partir de limite determinado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) no ano passado.
Diante do cenário, Minas Gerais corre contra o tempo para não ter que desembolsar ainda mais recursos no próximo ano. Por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), a entrada do estado no RRF precisa ocorrer até 20 de dezembro.
Depois desse período, caso não passe a fazer parte do RRF, o estado teria de pagar R$ 18 bilhões da dívida de R$ 161 bilhões, ou seja, três vezes mais que o déficit previsto para o Orçamento de 2024. Se a adesão ocorrer, esse valor cai para R$ 4 bilhões.
As contas foram feitas pelos secretários de estado da Fazenda, Gustavo Barbosa, e de Governo, Gustavo Valadares, durante conversa em um podcast voltado para policiais militares, na semana passada.
O projeto que autoriza o governo a aderir ao RRF está em tramitação na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária da Assembleia, a última antes da ida do texto para apreciação do plenário.