Chanceler de Milei e influência de Macri viram esperança de Lula sobre Mercosul e acordo com UE

Por RICARDO DELLA COLETTA E NATHALIA GARCIA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta em declarações de uma conselheira de Javier Milei e na possível influência do ex-presidente Mauricio Macri sobre a nova administração argentina para uma relação com o Brasil pautada por pragmatismo em temas-chave como comércio regional, Mercosul e acordo com a União Europeia.

Na melhor expectativa do governo brasileiro, será possível manter um relacionamento de Estado que continue fluindo apesar das discordâncias ideológicas entre Lula e Milei.

A economista e deputada eleita Diana Mondino é apontada como a ministra de Relações Exteriores no governo Milei. Tanto em falas públicas como em reunião privada com o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Julio Bitelli, Mondino ofereceu uma visão mais moderada do que as declarações do presidente eleito durante a campanha.

Milei chegou a defender que o Mercosul -do qual fazem parte Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai- acabe.

"Eu acredito que é preciso eliminar o Mercosul porque é uma união aduaneira defeituosa que prejudica os argentinos de bem", afirmou Milei em agosto, durante uma entrevista para a agência Bloomberg.

Na ocasião, ele disse ainda que o Mercosul contribui para um "comércio administrado pelo Estado" para favorecer determinados empresários. "Isso não promove o comércio, isso destrui o comércio. Gera desvio de comércio, não gera bem-estar. Gera renda para os amigos do poder, é uma coisa verdadeiramente horrorosa."

Mondino, por sua vez, já indicou depois da eleição que a Argentina deve permanecer no bloco e que o objetivo do governo Milei será modernizar o Mercosul.

Segundo diplomatas ouvidos pela Folha de S.Paulo, ela teve um encontro com Bitelli na embaixada em Buenos Aires, ainda durante a campanha, e transmitiu um recado semelhante.

Em uma entrevista televisiva recente, Mondino afirmou que a ideia de romper relações com China e Brasil "não tem nenhuma lógica".

Questionada sobre que mensagem enviaria a Lula, a deputada eleita disse: "Ele sabe perfeitamente que Argentina e Brasil sempre estiveram e vão trabalhar juntos. Entre outras razões porque estamos juntos e não podemos nos mover de onde estamos no planeta Terra".

A avaliação de auxiliares de Lula que acompanham o tema é que o cenário atual é provavelmente de uma Argentina que reforçará a agenda do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, em relação ao Mercosul. Isso significa reduzir a tarifa comum, impulsionar acordos comerciais com outros parceiros no globo e tratar o bloco como uma plataforma mais econômica e menos política.

Embora não coincida integralmente com a visão brasileira, é um cenário bem mais administrável do que a linha adotada por Milei enquanto candidato, dizem esses auxiliares.

Além das mensagens vocalizadas por Mondino, a própria complexidade do Mercosul e os interesses econômicos envolvidos tornam uma saída da Argentina algo difícil de se concretizar, segundo diplomatas ouvidos pela Folha.

Apesar desse diagnósticos, assessores do petista ressaltam que ainda não há detalhamento suficiente dos projetos de Milei para política externa para prever qual caminho ele deverá adotar.

Outro aspecto que tem sido levado em conta por conselheiros de Lula é a possível influência que o grupo político de Macri pode ter no governo Milei. O presidente eleito precisará no Congresso da coalizão Juntos pela Mudança, de Macri e da candidata derrotada Patricia Bullrich. Mesmo com eles, não terá maioria.

A possível participação de funcionários ligados a Macri em postos de governo é vista por interlocutores brasileiros como uma primeira sinalização positiva para o acordo comercial em negociação entre a União Europeia e Mercosul.

Macri era o presidente da Argentina em 2019, quando os países do Mercosul e a União Europeia chegaram a um primeiro entendimento sobre o acordo -essas negociações foram colocadas em compasso de espera pelos europeus sob a justificativa de que a política antiambiental de Jair Bolsonaro (PL) inviabilizava qualquer avanço na tramitação do texto.

A presidência rotativa do Mercosul atualmente está com o Brasil, e Lula quer usar a cúpula no Rio de Janeiro para anunciar a conclusão da nova rodada de conversas.

Caso isso ocorra, o tratado ainda precisaria ser assinado pelos presidentes dos quatro países do Mercosul e pela Comissão Europeia. Depois, seguiria para ratificação nos respectivos Parlamentos.

A cúpula está agendada para 7 de dezembro, três dias antes da posse de Milei. A avaliação no Palácio do Planalto e no Itamaraty é que, caso esse tipo de acordo realmente seja alcançado até a reunião de líderes no Rio -o que já é uma meta bastante ambiciosa-, Milei não teria condições políticas ou mesmo interesse econômico em voltar atrás.

O argentino venceu as eleições defendendo a adoção de uma política ultraliberal na economia e no comércio exterior e não teria razões para se opor a um acordo que associa o Mercosul a países europeus, segundo o diagnóstico de interlocutores no Brasil.

Para um membro da equipe econômica, a eventual aprovação dos termos do acordo com os europeus poderia até trazer ganho político para Milei e ser usada pelo anarcocapitalista para ajustar sua narrativa depois de assumir a cadeira de presidente.

Mesmo que esse cenário otimista se realize, é consensual entre membros do governo brasileiro ouvidos pela Folha a avaliação de que será muito difícil qualquer interação entre Lula e Milei. Não só pelas ofensas proferidas durante a campanha --o argentino se referiu a Lula como "corrupto"-, mas pelas alianças que cada um mantém no país do vizinho.

Lula é próximo do movimento peronista do candidato derrotado Sergio Massa, ao passo que Milei ligou para Bolsonaro após a vitória e o convidou para a posse no dia 10 de dezembro. Bolsonaro disse que pretende comparecer.

Nas conversas, diferentes interlocutores usaram como comparação o período em que Alberto Fernández governava a Argentina, e Bolsonaro, o Brasil. Embora os líderes raramente tenham interagido, outras dinâmicas da relação bilateral seguiram funcionando.