Juros no rotativo do cartão de crédito poderão no máximo dobrar a dívida

Por LUCAS MARCHESINI

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O CMN (Conselho Monetário Nacional) decidiu nesta quinta-feira (21) regulamentar a aplicação de um teto para taxas cobradas no rotativo do cartão de crédito.

Com as novas regras, os juros cobrados no chamado rotativo -acionado quando o cliente deixa de pagar a fatura integral até o vencimento- não poderão passar do dobro do valor original da dívida.

O rotativo é a linha de crédito mais cara do mercado, com juros superiores a 400% ao ano, e recomendada por especialistas apenas em casos emergenciais. Ele é acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura do cartão no vencimento.

A decisão do CMN é decorrente da lei do Desenrola, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro, que previa um prazo máximo de 90 dias para que os bancos apresentassem uma proposta para reduzir o juro do rotativo e o CMN a aprovasse.

Caso as instituições não conseguissem o aval do colegiado, os juros do rotativo passariam automaticamente a ter um teto que não poderia ser mais alto que o valor original da dívida -ou seja, o montante a ser quitado pelo devedor poderia, no máximo, dobrar. Foi exatamente o que replicou o conselho.

O CMN é formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Esse foi o último encontro ordinário do colegiado antes do prazo previsto pela lei (que se encerra em 1º de janeiro de 2024).

As discussões no governo e no Congresso ganharam impulso no governo Lula diante do diagnóstico de que seriam necessárias medidas para destravar o crédito no país.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda), que participou da decisão, afirmou que os clientes não estarão mais sujeitos aos valores cobrados hoje.

"Suponha que uma pessoa contrate uma dívida de R$ 1.000 no cartão de crédito e que não pague. Ela estaria sujeita a quase 500% ao ano [de juros]. [A partir das novas regras], isso não vai poder exceder 100% [do valor original da dívida]", afirmou.

A medida só vale para valores que entrarem no rotativo a partir de 2 de janeiro de 2024. Ou seja, se o cliente já estiver no rotativo hoje, os valores cobrados poderão continuar subindo para além do teto estabelecido.

A medida vale de maneira consolidada tanto para o rotativo como para o parcelamento obrigatório acionado um mês após o cliente estar no rotativo. Ou seja, o mesmo teto de 100% continua valendo mesmo se o cliente atravessar para a modalidade seguinte.

Mas as alterações geraram divergência no mercado financeiro sobre qual seria a melhor fórmula para reduzir os juros da modalidade.

Os bancos insistiam em limitar, em contrapartida pela mudança de regras do rotativo, o parcelado sem juros no cartão --mecanismo que, para eles, encarece o crédito. A lei, porém, não faz nenhuma menção a essa modalidade nem manda restringi-la.

O CMN não fez nenhuma alteração no parcelado sem juros.

"O parcelamento com ou sem juros não está contemplado nessas medidas", afirmou Antonio Marcos Fonte Guimarães, consultor do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central.

Enquanto os bancos argumentam que o parcelado sem juros aumenta a inadimplência e força a cobrança de juros altos no rotativo, as empresas de maquininhas de cartão e o comércio -que usam de forma intensiva o parcelado sem juros em seus respectivos modelos de negócio- refutam essa premissa.

De acordo com esses setores, não há estudos públicos independentes que mostrem essa relação de causa e efeito, além de a inadimplência não ser maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista.

Na véspera da reunião do CMN, associações de comércio divulgaram que ultrapassaram a marca de 500 mil assinaturas na campanha "Parcelo, sim". O movimento defende a manutenção das regras do parcelados sem juros.

Desde outubro, o Banco Central vem se reunindo com representantes de bancos, adquirentes (que fazem a intermediação de pagamentos), cartões e varejo para elaborar a regra do rotativo.

No primeiro encontro depois da sanção da lei do Desenrola, a autoridade monetária apresentou uma proposta para limitar, em um primeiro momento, as compras parceladas sem juros em, no máximo, 12 vezes.

Os bancos, que querem a limitação do número de parcelas de compras sem juros, defenderam um escalonamento até chegar a três parcelas. A proposta foi rejeitada pelos demais presentes.

No dia 7 de novembro, a autoridade monetária recebeu propostas de diferentes entidades e sinalizou, segundo relatos, que iria estudar a questão com base em dados próprios.

Publicamente, Campos Neto vem dizendo que o BC não pretende fazer mudanças que afetem a capacidade de compra da população brasileira e que é preciso olhar para o longo prazo no debate.