Novo governo Trump nos EUA deve ter barreiras tarifárias e reacender guerra comercial

Por THIAGO AMÂNCIO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na Presidência dos EUA, Donald Trump impõe tarifas sobre importações de aço brasileiro, abre uma guerra comercial com a China e provoca impactos desmedidos em todo o comércio global.

Aconteceu no primeiro mandato do republicano, entre 2017 e 2021, e pode acontecer novamente caso vença a disputa contra Joe Biden.

Ou ao menos é o que ele tem prometido, como tarifas de 10% sobre todas as importações americanas e de mais de 60% sobre produtos chineses, reeditando a guerra comercial que iniciou no primeiro governo.

Trump ainda nem venceu as primárias do partido, mas, se a Justiça não o impedir em meio aos quatro processos criminais a que responde, já é dado como o candidato certo da legenda à eleição que acontecerá em novembro.

E tem chances reais de se eleger, segundo as principais pesquisas de opinião em curso. Na última YouGov/The Economist, o republicano aparece com 44% das intenções de voto, contra 43% do democrata.

Para alguns setores da economia global, isso "é claramente uma ameaça", como disse a presidente do Banco Central Europeu, Christiane Lagarde, em entrevista ao Canal de TV France 2 no fim de janeiro.

"Se tirarmos lições da história, quer dizer, a maneira como ele conduziu os primeiros quatro anos de mandato, é claramente uma ameaça", disse. "Basta olhar para as tarifas comerciais, basta olhar para o compromisso dele em relação à Otan, basta olhar para a atitude dele em relação à luta contra as mudanças climáticas."

A imposição de novas barreiras comerciais é um dos pontos que mais tem chamado a atenção. O jornal Washington Post relatou que Trump tem discutido com aliados uma tarifa de 60% sobre qualquer importação vinda da China.

Questionado no último domingo (4) em entrevista à Fox News, o pré-candidato à reeleição afirmou que "diria que talvez será mais do que isso".

Estudo da Oxford Economics de novembro do ano passado contratado pelo US-China Business Council apontou que a imposição de novas tarifas sobre importações da China podem custar 744 mil empregos nos EUA e uma perda de US$ 1,6 tri ao PIB americano entre 2024 e 2028.

No provável cenário em que as sanções serão respondidas pelos chineses com novas tarifas, a perda de empregos aumenta para 801 mil, e o impacto no PIB chega a US$ 1,9 tri.

Uma tarifa sobre todas as importações e o reforço da agenda "anti-globalista" serão "um problema para os consumidores americanos, uma frustração para suas empresas e uma dor de cabeça para Europa, Ásia e grande parte do resto do mundo", afirmou Leslie Vinjamuri, analista da Chatham House, think tank britânico de relações internacionais.

No primeiro governo, Trump já havia aumentado as tarifas também sobre produtos de outros países, inclusive sobre o alumínio brasileiro --que não foram retiradas por Biden, seu sucessor. Agora, ele pretende reeditar e ampliar a medida, com uma tarifa geral de 10% sobre todas as importações para fomentar a indústria local, segundo tem sugerido desde o ano passado.

Análise do think tank conservador American Action Forum apontou que a medida impactaria em US$ 62 bilhões (0,31%) o PIB americano.

Para José Niemeyer, professor de relações internacionais do Ibmec, o protecionismo promovido por Trump é um aceno ao seu eleitor. "Ele precisa do voto de redutos de um velho industrialismo, que vão cobrar que ele seja protecionista, por exemplo, em relação a aço, alumínio, plástico e outros setores", afirma. "Se fosse apoiado pelo Vale do Silício, as cobranças seriam outras."

Segundo Niemeyer, a postura isolacionista de Trump condiz com "um mundo fragmentado, competitivo e contraído, onde os países estão pouco preocupados com o ambiente internacional e têm uma política externa pouco definida."

Pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, Leonardo Paz concorda que "as condições internacionais hoje tornam mais fáceis e favorecem essa abordagem". Ele cita o mundo mais fechado após acirramento da competição com a China, Guerra da Ucrânia e conflitos no Oriente Médio, entre outros, e suas consequências.

Como exemplos, Paz cita a exclusão da Rússia do sistema bancário internacional Swift após a eclosão da guerra e a imposição de barreiras a produtos chineses em setores estratégicos.

"Já tem uma preocupação muito grande de vários países europeus de limitar determinados setores de tecnologia considerados sensíveis. São também barreiras não tarifárias, como de chips e semicondutores", afirma. "O contexto atual favorece o discurso trumpista, eu diria que ele vai ter menos dificuldade de conseguir vender esse peixe."

Essas políticas protecionistas poderiam ter efeito contrário e aumentar o espaço da China sobre economias emergentes, avalia Leslie Vinjamuri, da Chatham House.

"Se ele voltar à Casa Branca, os esforços de Biden para trabalhar com o G7 e também com a Índia para oferecer uma política alternativa baseada em valores para investimentos em infraestrutura para o mundo em desenvolvimento, que possa competir com a Iniciativa Cinturão e Rota da China, certamente irão estagnar", escreveu.

Bruna Allemann, head de Investimentos Internacionais da Nomos, discorda da maioria dos especialistas e se diz "um pouco mais otimista". Para ela, Trump pode adotar um discurso mais brando. "Acho que ele aprendeu bastante no outro governo, e entendeu que a política muito protecionista não dá certo", diz.

"O presidente não governa sozinho. O Fed [Federal Reserve, o BC dos EUA] está muito atento ao que os presidentes estão fazendo e ele não vai querer arrumar uma briga com o Fed para forçar [baixar] a taxa de juros", diz. Allemann cita ainda que Trump não tem mais "só a China para resolver", e que outros conflitos geopolíticos pelo mundo também causam preocupação, como a Guerra da Ucrânia.

Trump terá em suas mãos o poder de substituir o presidente do Fed, Jerome Powell, a quem o republicano tem acusado de trabalhar para ajudar os democratas. O mandato de Powell vai até 2026.