'Ser honesto é obrigação, não é qualidade', dizia Tia Luiza; conheça a história da fundadora do Magalu
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No interior mineiro, em Ibiraci, divisa com o estado de São Paulo, uma vendedora chamava a atenção na Casa Mattos: Luiza.
Na pequena loja que vendia de tudo, de materiais de construção a fumo, passando por roupas, tecidos e botas de couro, ela fazia questão de criar empatia com a clientela.
"Luiza vendia de tudo e lidava com todo tipo de gente, tornando-se especialista em seres humanos", conta o jornalista Pedro Bial, autor do livro "Luiza Helena - Mulher do Brasil" (editora Gente, 2022) sobre a Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza. "Era irresistível."
O livro sobre a empresária começa com a história de Luiza Trajano Donato, a vendedora da Casa Mattos, que mais tarde se tornaria a fundadora do Magazine Luiza, e que faleceu nesta segunda-feira (12), aos 97 anos, de causas naturais, depois de passar os últimos anos sofrendo de demência.
Tia e madrinha de Luiza Helena, a Luiza não teve filhos e fez da sobrinha e xará a sua sucessora nos negócios. O próprio nome de Luiza Helena foi diretamente influenciado pela tia.
"Já estava decidido que a menina iria se chamar Sônia. De saída para o cartório a fim de fazer o registro, Clarismundo [o pai] foi interceptado pela cunhada Luiza. 'Por que não a chamam de Heloisa Helena?'. Era o nome de uma cliente dela, muito simpática, querida, e soava bem. Lá se foi Clarismundo. Ao voltar, comunicou a todos que tinha aceitado a sugestão, mas contribuído com mais uma homenagem. A filha fora registrada como Luiza Helena. A tia não se conteve de satisfação, assim como as outras irmãs", relata Bial.
A mãe de Luiza Helena, Jacira, tinha três irmãs e quatro irmãos. Dois deles -Luiza e Íris- deram origem à vocação varejista dos Trajano. A Casa Mattos, onde Luiza se destacou, pertencia a Íris.
Luiza entendia o que se passava na cabeça do cliente e procurava minimizar complexos, tirar dúvidas, projetar alegrias e, é claro, fechar vendas, seu principal objetivo.
Foi assim que chamou a atenção da concorrência, a Casa Hygino Caleiro, a loja mais sofisticada de Franca, a 40 quilômetros de Ibiraci. Luiza foi convidada em 1952 a ser vendedora do estabelecimento, fundado em 1822, e cruzou a divisa de Minas para São Paulo, para nunca mais voltar.
Em Franca, ela conheceu o futuro marido, Pelegrino José Donato, um caixeiro-viajante. Casaram-se em 1956.
Depois do casamento, Luiza descobriu que uma loja estava à venda: A Cristaleira, especializada em "presentes finos", bem no centro de Franca. "Luiza não queria perder a chance. Empenhou o que conseguiu juntar com o marido Pelegrino e deu a entrada para comprar a loja. Era tudo o que tinham, o dinheiro da entrada. Para honrar as outras parcelas, não haveria hora de descanso, folga ou distração. Os dias seriam mais longos e as noites mais curtas. Entre tudo ou nada, tia Luiza estava disposta a tudo", conta o livro.
Era o ano de 1957 e o Brasil se industrializava, sob o ritmo do governo de Juscelino Kubitschek. Novidades como liquidificadores, aspiradores e enceradeiras chamavam a atenção da população.
O nome A Cristaleira soava ultrapassado e Luiza decidiu promover um concurso na rádio local, a Hertz. O ouvinte que sugerisse o nome mais votado ganharia um sofá. Venceu Magazine Luiza.
Mulher de vontade firme e regras rígidas, fazia questão que os funcionários dessem bom dia logo na chegada de manhã ao trabalho (sob o risco de voltarem para a calçada e entrarem de novo na loja, com a saudação).
A economia era sempre a regra: quem fosse ao banco pagar as contas deveria trazer de volta os clipes e elásticos de dinheiro. Todos os funcionários também tinham de ter a tabuada na ponta da língua.
Quando soube que um dos seus funcionários mais próximos, Hermínio, um "faz tudo" do Magazine Luiza, estava com câncer, e era obrigado a viajar 270 quilômetros de Franca até Barretos para o tratamento uma vez por semana, Luiza e o marido decidiram equipar a Santa Casa de Franca com toda a aparelhagem necessária para a quimioterapia. Foi o pontapé para a fundação do Hospital do Câncer da cidade.
Nascida em Cristais Paulista (SP), em 20 de setembro de 1926, Luiza viveu a maior parte da sua vida em uma casa na rua Monsenhor Rosa, em Franca, vizinha à primeira loja da rede, chamada de "nave mãe".
Passou o comando da rede para a sobrinha Luiza Helena em 1991, depois de um embate com o marido, que morreu no final de 2018, aos 94 anos: conselheiro da empresa, Pelegrino não aceitava a sobrinha no comando, por machismo.
"Uma pessoa interessantíssima, muito inteligente, uma empreendedora nata", disse à reportagem Marcelo Silva, vice-presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, que conheceu a fundadora quando se tornou CEO da varejista, em 2009. "Assim como Luiza Helena, sempre muito íntegra e determinada."
No final dos anos 1990, um vídeo institucional produzido pelo Magazine Luiza traz o depoimento da fundadora, antes da demência. Nele, Luiza diz ter "muito orgulho, mas muito orgulho do Magazine Luiza", e deixa claro que a personalidade dela e da cultura da empresa que criou se confundem.
"Falar mal do Magazine Luiza é falar mal de mim mesma. É uma empresa séria, uma empresa boa, na qual eu procurei passar, para a Luiza Helena e para o Onofre, meu irmão, que são mais novos do que eu, tudo aquilo que eu acho que é certo. Tem que ser honesto, o que é obrigação, não é qualidade, e tem que ser boa para pagar. Tudo isso é obrigação da gente."