Peguem os celulares: a aula vai começar (parte 1)
Peguem os celulares: a aula vai começar (parte 1)
É inconcebível a ideia de que os jovens educandos, que vivem quase todo o tempo ligados aos seus celulares, utilizando os recursos de comunicação da telefonia e da internet ali disponibilizados, consigam submeter-se aos períodos escolares privados deste acesso. É exigir que os estudantes tornem-se ermitões em parte do seu dia.
Realisticamente, portanto, a proibição dos celulares na sala de aula é uma exigência que está fadada ao fracasso. Não é sem motivo que a mais breve observação do cotidiano dos alunos mostra o não cumprimento desta determinação: os celulares continuam presentes (e ligados!). O anacronismo da exigência é ícone de uma estrutura escolar parada no tempo. Na verdade, proibir o celular é, aparentemente, uma medida fácil, porque simplesmente tenta eliminar a presença daquela tecnologia da sala de aula, colocando-o como um problema e visando expurgar o contexto escolar deste mau elemento. Mas é impossível fazê-lo, porque o celular já é um item tão presente na cultura contemporânea que a própria compreensão da proibição se torna dificultosa para as mentes dos chamados "nativos digitais". A eliminação de algo que é tão naturalizado lhes soa absurda.
Não se deve pensar, contudo, que a aceitação do celular em sala de aula se deve simplesmente à constatação do malogro de sua proibição. O cenário aqui não é de uma rendição fracassada da Escola frente a este suposto intruso da tecnologia. Claramente, o que existe aí é um desafio: o de lidar com o que o mundo contemporâneo apresenta e pensar a Educação como responsável por uma reflexão sobre os usos e abusos dos recursos tecnológicos tão largamente presentes. Cumpre que a Escola assuma seu papel na elaboração de uma relação refletida e crítica com tais recursos.
No processo educacional e formativo, a busca pela supressão da tecnologia é um perverso retrocesso, já que estrutura uma fantasia, no interior dos muros da Escola, que não representa, não dialoga e não prepara para o que está lá fora, o mundo real.
O que fazer, então? Formar jovens críticos e aptos à utilização da tecnologia, com suas potencialidades, mas não rendendo-se a ela, e sim fazendo o melhor uso possível. A mensagem não pareceria difícil ou até irreal se tratasse da informática. Há tempos falou-se da inserção dos computadores na rotina da Escola, e ocorreram críticas a isso. Depois, surgiram os "laboratórios de informática", uma forma de inserir o computador na Escola, mas sem modificar a estrutura da mesma, simplesmente dando-lhe um espaço reservado e, desta forma, isolado. Hoje já não se pensa mais em separar os recursos da informática do processo educacional: ainda se avaliam e reavaliam alguns de seus usos, mas o divórcio não é desejado.
O celular, ora visto com maus olhos, talvez passe por um caminho semelhante. Mas em dado momento, será preciso reconhecer que cumpre ao processo formativo de que faz parte a Educação escolar o dever de munir os educandos de capacidade crítica ante aos recursos tecnológicos, que os permitam avaliar os limites de seu uso sem que, com isso, sejam suprimidas as riquezas que ali estão ofertadas, até para o próprio processo formativo.
A Escola e a sala de aula hoje são reconhecidas como locus privilegiados de construção de consciência crítica na relação com a profusão de informações que o mundo contemporâneo oferta. Em outros termos, a educação passou a exercer o papel não de canal único e/ou privilegiado de informações, mas de construtora de leitores críticos das "informações em massa" que aí se apresentam. A formação educacional quer não preencher mentes com informações – estas podem ser conseguidas em diversas outras fontes –, mas prepará-las para uma recepção não pacífica das mesmas, com capacidade de discernimento, crítica e avaliação.
Esta tarefa da educação com relação às informações, tão avassaladoramente disponibilizadas, é a mesma que deve ser assumida com relação aos mecanismos tecnológicos: construção de jovens capazes de avaliar o tempo de seu uso, as formas e as vantagens e desvantagens oferecidas pelos aparelhos. Para tal, é preciso que a Escola e os professores revejam suas posições: opositores deste "mundo real" e com traços conservadores, ou atuantes e capazes de intervir positiva e construtivamente na realidade? Se o celular não receber seu espaço submetido à avaliação da Educação, a Escola permanecerá com aparência medieval para os jovens, e estes prosseguirão submetidos aos recursos tecnológicos, entregues a eles sem que sobre isso haja uma verdadeira reflexão.
Este texto é o começo de uma provocação para pensar a relação da Educação com as "novas" tecnologias. Na próxima coluna, haverá um prosseguimento do tema, tratando do potencial do celular na sala de aula.
Ivan Bilheiro é Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), instituição na qual cursa a licenciatura na área. Especialista em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF) e pós-graduando em Ciência da Religião pela UFJF.