'Se quiserem, posso jogar pelado', diz enxadrista acusado de trapacear
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O universo do xadrez está em polvorosa. Tudo porque um americano de 19 anos chamado Hans Niemann derrotou o melhor jogador do mundo e foi acusado de trapacear -mas, como ninguém sabe dizer como ele trapaceou, começaram a surgir explicações esdrúxulas para o feito.
Esdrúxulas mesmo. Uma das teorias é a de que ele usou um dispositivo anal -sem fio, naturalmente-- para receber, em vibrações de código Morse, o gabarito dos lances que deveria fazer a cada momento do confronto.
A hipótese fez barulho porque, entre outros motivos, o bilionário Elon Musk se divertiu no Twitter apoiando a suposição (depois a postagem foi excluída).
E, talvez, as palavras usadas por Niemann para se defender tenham reforçado a piada: "Se quiserem que eu jogue totalmente pelado, eu jogo. Não me importo. Eu sei que estou limpo", disse ao canal oficial do torneio, organizado pelo Clube de Xadrez de Saint Louis, nos EUA.
Piadas à parte, o fato é que a vitória de Niemann no domingo (4) foi estranha. Número 49 do ranking antes da partida, ele derrotou ninguém menos que Magnus Carlsen, 31, campeão mundial desde 2013 e um dos maiores da história.
Não que seja impossível. Zebras acontecem mesmo no xadrez, embora sejam bem mais raras do que em esportes como o futebol ou tênis.
Só que, depois do duelo, ao ser instado a comentar a façanha, Niemann se enrolou. Na primeira resposta, não conseguiu explicar direito por que escolheu certa combinação de jogadas.
Ele disse que tinha estudado justamente aquela sequência no domingo de manhã, muito embora ela seja bastante rara -por esse motivo, aliás, ele falou que tinha sido uma espécie de milagre.
Apesar de tudo, não há nenhuma evidência de que Niemann tenha violado códigos de fair play. A seu favor também conta sua incrível ascensão no ranking mundial, mais rápida do que a de qualquer outro enxadrista.
Ainda assim, Magnus Carlsen, depois da derrota, decidiu se retirar da competição, insinuando que havia algo errado no ar.
Para reforçar o clima de suspeitas, ao avisar pelo Twitter que estava abandonando o barco, postou um vídeo do técnico português José Mourinho dizendo: "Prefiro não falar. Se eu falar, terei um grande problema".
Alguns grandes jogadores logo saíram em apoio ao campeão mundial, sustentando que Niemann jamais teria vencido a disputa em condições normais. Outros, porém, criticaram a postura de Carlsen, dizendo que é preciso saber perder.
Niemann ficou emocionado ao tratar das acusações. "Ver meu maior herói tentar arruinar minha carreira no xadrez é muito decepcionante", afirmou o americano. "Derrotá-lo foi um sonho virando realidade."
Seu sonho, porém, veio com consequências. A maior plataforma de xadrez online, o site Chess.com, decidiu banir a conta de Niemann por causa da desconfiança de Carlsen.
Em seguida, o americano confessou ter trapaceado em jogos online no passado, quando tinha 16 anos, mas disse que o episódio já havia sido perdoado pelo site e que ele jamais tinha trapaceado em jogos presenciais, como são os do torneio em Saint Louis.
Além disso, a organização do campeonato decidiu reforçar as medidas de segurança. Na partida seguinte de Niemann, usaram detector de metais para identificar dispositivos eletrônicos. Nada foi achado -e ele repetiu a boa atuação.
O caso chama a atenção não pelo ineditismo, mas pelas implicações que pode ter para o xadrez, um esporte que há décadas convive com tramas secretas.
Nos anos 1950 e 1960, os jogadores da União Soviética agiam em conluio, combinando resultados entre si. Nas duas décadas seguintes, eles usavam a KGB para espionar e até ameaçar adversários.
Nos anos 1990, quando começaram a surgir casos em que jogadores usavam computadores para trapacear, os organizadores de campeonatos de xadrez passaram a adotar medidas adicionais de proteção.
Salvo uma ou outra exceção, as iniciativas vinham tendo sucesso nos campeonatos mais importantes. Se Niemann de fato driblou a segurança -o que não foi provado até agora--, ele terá levado a trapaça para o próximo degrau.